Atrações da 32ª Mostra Internacional de Cinema, de São Paulo, Eu Quero Ver e 10 + 4 são filmes que “convidam” o espectador a acompanhar determinados trajetos. No primeiro, os diretores Khalil Joreige e Joana Handjithomas registram uma viagem da atriz Catherine Deneuve, conduzida pelo também ator Rabih Mroué, ao sul do Líbano; no segundo, a atriz Mania Akbari, que participou de Dez , de Abbas Kiarostami, retorna num trabalho de formato muito parecido (diálogos desenrolados no decorrer de percursos de carro), mas realizado a partir do momento em que descobriu ter câncer.
Em Eu Quero Ver , Catherine Deneuve chama constantemente a atenção de Mroué para o fato de ele se esquecer de colocar o cinto de segurança antes de sair dirigindo. A preocupação da atriz evidencia sua agonia diante da impotência e da falta de controle do que poderia acontecer com eles ao percorrerem um território ameaçador. Numa rápida passagem, são obrigados a dar marcha ré lentamente por terem entrado em terreno minado. Rabih Mroué, que acabou de apresentar no Rio de Janeiro o elogiado espetáculo Yesterday´s Man , explica a Deneuve que a situação degringolou na região: motoristas andam na contramão, avançam sinais e, na maior parte das vezes, não usam cinto de segurança.
Eles não forçam uma interação. Num dos rápidos momentos de descontração, Mroué cita uma fala de Deneuve no célebre A Bela da Tarde , de Buñuel. Mas o constante silêncio que se impõe entre ambos não se deve ao fato de estarem em situações completamente diferentes. Afinal, Deneuve não é a única que se sente desnorteada em Eu Quero Ver . Ao chegar à vila bombardeada onde passou parte da infância, Rabih Mroué não consegue encontrar a casa da avó. Os antigos caminhos desapareceram em meio aos escombros. “Está tudo diferente. Passei minha infância aqui e não reconheço nada”, constata, perplexo. A guerra aniquila referências e espaços familiares, personalizados, a exemplo da excelente seqüência na qual Mroué se depara com ruínas de casas, reduzidas a uma montanha de areia e ferros retorcidos. “Não podemos distinguir o que é corredor, sala ou banheiro. São apenas pedras. Uma cidade sendo levada pelo mar. E logo iremos esquecê-la”, resume.
Em 10 + 4 , o contexto político também desponta, como na passagem em que um desconhecido repreende Mania Akbari por não vestir roupas que cubram suficientemente seu corpo. Chega a perguntar à atriz a razão de estar com a cabeça raspada, levando-a a assumir a doença. Numa outra seqüência, Akbari surge como intermediária na discussão entre duas mulheres, na qual uma repreende a outra pelo desejo de cantar profissionalmente. A diretora/atriz parece chamar atenção para a dificuldade em assumir ou colocar em prática o que se almeja numa sociedade tão opressiva para as mulheres.
Akbari procura transportar determinados descompassos (em especial, entre desejo e realidade) referentes à realidade no Irã para a esfera íntima. “Tenho que interpretar o tempo todo para dizer que estou bem”, afirma, em determinado momento, sinalizando a distância entre espontaneidade e certa dose de representação. O aproveitamento do som ambiente neste filme realizado quase que inteiramente em externas talvez realce o fato de que Akbari continua vivendo e respondendo ao aqui/agora, ao instante imediato, apesar de ser confrontada, a cada dia, com o estranhamento em relação à própria imagem diante do espelho.
EU QUERO VER (I WANT TO SEE)
Líbano, 2008
Direção: KHALIL JOREIGE, JOANA HADJITHOMAS
Roteiro e Montagem: ENRICA GATTOLINI
Produção: MILLE ET UNE PRODUCTIONS
Fotografia: JULIEN HIRSCH
Música: SCRAMBLED EGGS
Elenco: CATHERINE DENEUVE, RABIH MROUÉ
Duração: 75 minutos
10 + 4 (DAH BE ALAVEH CHAHAR...)
Irã, 2007
Direção e Roteiro: MANIA AKBARI
Produção: MANIA AKBARI, SHAHRAM SHAHANDESH
Fotografia: TOORAJ ASLANI, KOHYAR KALARI, FARAZ HEYDARI, MANIA AKBARI
Montagem: MASTANEH MOHAJER
Elenco: MANIA AKBARI, AMIN MAHER, BEHNAZ JAFARI, ROYA AKBARI
Duração: 77 minutos
