Em 1978 e 1979, todo cinéfilo “progressista” orgulhava-se de já ter visto, no circuito paralelo, docs como A Greve de Março, de Renato Tapajós, Greve! e Trabalhadores, Presente, de João Batista de Andrade, ou este Braços Cruzados, Máquinas Paradas, que sai agora em DVD pela Videofilmes. Algumas exibições desse último eram precedidas do curta Libertários, de Lauro Escorel Filho, que traçava um perfil histórico do proletariado urbano de São Paulo, destacando o papel dos imigrantes italianos e dos movimentos anarquistas do início do século 20.
Recordo minha excitação ao escrever, na Tribuna da Imprensa, em julho de 1979, sobre esses “filmes emergentes e que se querem transformadores mais imediatos da realidade nacional”. Braços Cruzados... não escondia sua tomada de partido. Era um filme encomendado pela chamada Oposição Sindical, que disputava a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo contra o pelego Joaquim dos Santos Andrade, ali encastelado desde a intervenção militar de 1964. “Joaquinzão” é o vilão da fita – desmentido pelos operários, caracterizado como megalomaníaco, satirizado por um sambinha absorvido pela trilha sonora.
O filme era uma peça de propaganda assumida, que mesclava a reportagem, o libelo à Santiago Alvarez e a retórica dramatizada à Eisenstein. Ficou famosa a seqüência em que atores semiprofissionais encenam o momento crucial da paralisação das máquinas, entre olhares cúmplices e gestos estudados. É clara aqui a influência de uma cena similar de A Greve, de Eisenstein.
Dirigido a quatro mãos por Sérgio Toledo Segall e Roberto Gervitz, jovens egressos das Ciências Sociais, Braços Cruzados... não tem o sentido épico que Renato Tapajós imprimiu a Linha de Montagem. Seu foco principal não está nos líderes nem nas grandes assembléias, mas no cotidiano dos operários e nas pequenas escaramuças que acompanharam as eleições do sindicato. Começa com a saída dos trabalhadores de casa, em plena madrugada, e termina com pesada repressão policial a uma manifestação na Praça da Sé. A campanha da oposicionista Chapa 3 seria derrotada pela fraude e pelo jogo duro do peleguismo, com a parceria de um Ministro do Trabalho (Arnaldo Prieto) que comparece de pulso engessado para prestigiar a posse dos aliados de Joaquinzão. É um filme sobre a derrota, embora não deixe de sinalizar as sementes de futuras vitórias.
Toledo e Gervitz documentaram, naqueles meses de 1978, o período em que o medo começou a desaparecer nas fábricas. As “greves espontâneas” (deflagradas pelas comissões de fábrica, sem piquetes e sem o comando da direção sindical) deixavam de ser clandestinas e formavam uma bola de neve que culminaria nas paralisações de 1979 e 1980. A primeira greve de São Bernardo, em maio de 1978, já repercutia na disposição de luta dos metalúrgicos da capital. Era o princípio de uma grande mudança de qualidade no movimento operário brasileiro.
A fotografia de Aloysio Raulino, em 16mm preto-e-branco, procurava nos rostos dos trabalhadores e nos detalhes dos ambientes os sinais de uma transformação. Havia a certeza do lado escolhido, mas também a busca de um entendimento geral da situação. “O que é que está acontecendo?”, repetia diversas vezes a voz de Gervitz, sempre que os fatos pareciam correr à frente do filme. Trata-se, ainda, de um doc predisposto a “dar voz” ao povo, carregando um pouco da visão da classe média sobre o mundo operário. Numa entrevista a Evaldo Mocarzel, constante dos extras do DVD, Gervitz admite que eles filmaram a fábrica como um inferno de máquinas monstruosas e fumegantes. Para os trabalhadores, no entanto, aquilo era o simples cenário do seu dia-a-dia.
Em outro extra, cinco líderes sindicais reaparecem para comentar o filme e a luta 30 anos depois. A fala deles confirma o valor histórico de Braços Cruzados, Máquinas Paradas. O espectador de hoje pode conferir também o seu valor cinematográfico.