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O VENENO ESCOLHIDO PARA MORRER SEM SENTIR (?)

24.04.2009
Por Luiz Fernando Gallego
VENENO ESCOLHIDO PARA MORRER SEM SENTIR

Luiz Fernando Gallego é ex-fumante (moderado), além de colaborador assíduo de criticos.com.br. Trocou a compulsão pelo fumo por textos compulsivos para este site.



É eficiente a trilha sonora do filme Fumando Espero, documentário a meio caminho de um reality show - já que a diretora filmou suas consultas médicas em busca de tratamento para deixar o "cigarrinho amigo" de lado. Aliás: amigo de quem, cara pálida?



O título (pertinente) deste doc é retirado do velho (e bota velho nisso: 1927!) tango que foi regravado 30 anos depois pela "violetera" Sarita Montiel "en su pelicula anterior" ao emblemático sucesso violáceo de ´58. Na verdade, "La Montiel" já havia atingido uma espetacular aceitação de público em terras hispânicas com El Último Cuplé - que marcou seu retorno à Espanha depois de breve incursão em três filmes americanos. Com Tio Sam ela até filmou (mas não se firmou) com Robert Aldrich (Vera Cruz é o mais lembrado dos três), Samuel Fuller e Anthony Mann - que foi um de seus maridos temporários.



No filme de Adriana Dutra (ver resenha de Patricia Rebello logo abaixo), escuta-se bastante o fonograma da gravação de Fumando Espero retirado da trilha monaural (lembram disso?) de El Último Cuplé.

Atenção: não confundir com outro filme da atriz (?), de nome assemelhado: Mi Último Tango. É que ela quase sempre interpretava (?) personagens terminais. Fumando ou não. Na vida real a moça fuma (ou fumava) "puros" habaneros que Freud jamais diria que eram "apenas charutos" em seus insinuantes lábios. Apesar disto, ela está viva aos 81 anos bem fumados.



Com acompanhamento de piano apenas, a gravação original também aparece remixada de forma bem divertida onde algumas palavras são repetidas em eco: "espero, espero, espero"; "sensual, sensual, sensual"; "quiero, quiero, quiero"...



Para resumir, aí vai parte da letra de J. Viladomat Masanas para a melodia de Felix Garzó:



Fumar es un placer, genial, sensual...



Fumando espero al hombre que yo quiero

tras los cristales de alegres ventanales

Y mientras fumo mi vida no consumo

porque flotando el humo me suelo adormecer...



Tendida en mi sofá, fumar y amar...



Ver a mi amado feliz y enamorado,

sentir sus labios besar con besos sabios

Y el devaneo sentir con más deseo

cuando sus ojos siento

sedientos de pasión.



Por eso estando mi bien

es mi fumar un eden...

Dame el humo de tu boca!

Dame que en mi pasión provoca.


[Sarita canta "Anda, que así me vuelvo loca"]

Corre que quiero

enloquecer de placer

sintiendo ese calor

del humo embriagador

que acaba por prender

la llama ardiente del amor.




Adequadíssimo. Mas é uma pena que não tenham inserido na trilha clássicos tabagistas da MPB como De Cigarro em Cigarro (do Luiz Bonfá, muito antes da Bossa Nova: "...Outra noite sem fim / Aumentou meu sofrer / De cigarro em cigarro/ Olhando a fumaça no ar se perder...").



Mas a grande ausente é mesmo um trecho de uma das mais incríveis letras de Noel Rosa (1910-1937) composta em ´35 mas lançada em disco apenas em ´47: chama-se Pela Décima Vez e diz que...



...o costume é a força

que fala mais alto

do que a natureza

e que nos faz dar provas de fraqueza.

Joguei meu cigarro no chão

e pisei

Mas sem ter mais nenhum

aquele mesmo apanhei e fumei !

Através da fumaça

neguei minha raça


chorando, a repetir:

"Ela é o veneno

que eu escolhi

pra morrer sem sentir"
.



Era só trocar "ela" (a mulher explicitada em outros versos causadora do desespero do personagem que passa a pegar guimbas no chão ) por "este" - aludindo ao cigarro - e a "mensagem" sobre como é difícil (ainda que não necessariamente impossível) abandonar o vício receberia um colaborador de peso: o fumante (também bom de copo) Noel.



Aliás, Noel morreu "doente dos pulmões" (era tuberculose - mas isso quase ninguém mais lembra e poderiam colocar a culpa apenas no cigarro...).





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