Na resenha sobre Vocês, os Vivos o texto de Maria Silvia (leia em “Críticas”) menciona as cenas como “quadros de uma exposição impressionista”, o que é bastante pertinente a partir do que ela destaca como “cores em tons pastéis meio esmaecidos – num filme de alta granulação” E acrescenta: “o efeito da iluminação com a maquiagem extremamente pálida dos atores torna tudo ainda mais onírico.”
Estimulado pela exata descrição, o espectador ainda poderá encontrar outras analogias com as artes plásticas – e também estabelecer outras referências cinematográficas – na apreensão do universo de Vocês, os Vivos. Por exemplo, os cenários dos planos fixos como quadros que poderiam estar mesmo sendo exibidos em galerias, lembram uma espécie de “neo-hiperrealismo” que remete (mas nunca é idêntico) à obra de Hopper: é como se a solidão desolada das telas do americano ganhassem uma espécie de nova versão (sueca). De certa forma, estabelecem algum diálogo com o artificialismo “teatral” de filmes de Alain Resnais, especialmente com a cenografia de Smoke/No Smoke. Ou então, com a ambientação decadentista do genial Will Eisner e suas portas e janelas “anos 1940”, principalmente em suas graphic novels e no clássico The Spirit.
Também há detalhes insólitos em várias cenas: em uma placa dourada na parede do canto do escritório onde um homem pergunta se alguém chamou seu nome (e todos negam) pode-se tentar ler as letras maiores que escrevem “República Argentina” (?!), assim como em um velório com música gospel cantada e tocada por uma banda, o percussionista começa a incrementar o ritmo “quadrado” e repetitivo que a musiquinha pede - até que o padre chama sua atenção; tudo isto no fundo da cena, talvez nem muito perceptível ao olhar que tende a ficar mais centrado no primeiro plano com o caixão branco e os passantes depositando flores. Tais detalhes, assim como os rostos geralmente impassíveis de pequenos (ou nem tão pequenos) grupos de pessoas presentes em segundo plano, podem lembrar o surreralismo de Magritte sem os mesmos objetos mais insólitos, exceto pela esquadrilha de aviões bem pouco realistas de cenas finais. Quem ainda for conhecer o filme, preste atenção na cena de júri: a imagem da “Justiça” personificada na mulher de olhos vendados (com balança na mão e tudo) está com o quadril levemente inclinado para um lado? Ou foi este espectador que viu mais do que está em cena? Nada de mais em um filme com ambientação “oniróide-hiperrealista-surrealista-impressionista”, por mais paradoxal que esta categorização possa parecer.
É para ver e se deleitar. Há humor do tipo “só dói se eu rir”, mas há sorrisos na platéia. Oniróide? A liberdade do roteiro mudar de uma situação para outra muito diversa é tão ou mais anárquica do que nos filmes mais livres de Buñuel (Cão Andaluz, Fantasma da Liberdade ou Via Láctea – Estranho Caminho de São Tiago). E a trilha sonora, é exemplar nesta soma de quadrinhos, música, artes plásticas, cinema, teatro...