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GUERRA AO TERROR

23.12.2009
Por Marcelo Janot
"O HORROR, O HORROR"

A distribuição de filmes no Brasil parece ter chegado ao fundo do poço, pelo menos para quem ainda enxerga algum valor artístico e cultural no cinema. Dois fatos marcantes ocorridos na mesma semana deixaram isso ainda mais evidente: a estréia de Avatar e os prêmios recebidos por Guerra ao Terror. Enquanto a super-produção de James Cameron tomou de assalto o circuito brasileiro com centenas de cópias e um marketing avassalador, o filme de Kathryn Bigelow foi eleito o melhor de 2009 por várias associações de críticos americanas, entre elas as de Los Angeles e de Nova York. O que uma coisa tem a ver com a outra? Simples. Guerra ao Terror, apesar de um certo apelo comercial (tema atual, produção cara, ritmo ágil e participação – mesmo que pequena - de atores conhecidos como Ralph Fiennes e Guy Pearce), foi para as locadoras sem sequer ter sido lançado nos cinemas, já que cada vez mais as distribuidoras só parecem dispostas a investir no lucro certo de blockbusters como Avatar.



Ou seja: a decisão sobre o que o público vai assistir nas telas está nas mãos de profissionais de marketing que não entendem bulhufas de cinema, e por isso não têm sensibilidade suficiente para perceber quando têm uma jóia preciosa em mãos. Foi preciso que Guerra ao Terror fosse indicado ao Globo de Ouro e ao Oscar, para que os analfabetos culturais do marketing das distribuidoras percebessem o erro que cometeram, permitindo que o cinéfilo possa assistir no cinema (o que faz a maior diferença) a um dos melhores filmes de 2009.



Quem não esteve disposto a esperar correu para a locadora mais próxima, pois o surpreendente Guerra ao Terror é não apenas um dos melhores filmes de 2009, mas um dos melhores filmes de guerra de todos os tempos. Sim, pode escrever: no futuro ele terá o seu lugar ao lado de Glória Feita de Sangue, Apocalipse Now, Agonia e Glória, Sem Novidades no Front e outras obras-primas.



Veterana diretora de filmes de ação (Caçadores de Emoção, Estranhos Prazeres), Kathryn Bigelow não abriu mão da essência de seu estilo para, pela primeira vez, nos presentear com uma obra de arte. Guerra ao Terror não tem pretensões de reinventar o cinema, mas cada plano, cada conflito colocado pelo roteiro, cada detalhe do som, cada gesto e cada fala de seus personagens, tudo parece obra de um artesão preocupado muito mais com a harmonia do conjunto do que com seu virtuosismo estilístico.



Talvez por isso seja difícil destacar um elemento que se sobressaia. Tudo no filme está a serviço de uma missão mais difícil que a dos soldados americanos numa guerra sem sentido como a do Iraque: reunir a competência e agilidade dos melhores filmes de ação com a angústia psicológica e existencial dos melhores filmes reflexivos. O que é importante ressaltar é que tanto num aspecto como em outro Guerra ao Terror é original e surpreendente.



Bigelow percebeu que para criticar a presença americana na guerra não é preciso reforçar a insanidade e a estupidez dos jovens soldados e de seus comandantes. Nem colocar os iraquianos como vítimas indefesas: a qualquer momento um deles pode apertar a tecla de um telefone celular e explodir uma bomba. Ela simplesmente aproveita que estamos falando de personagens especializados em desarmar bombas para trabalhar o suspense até o seu limite, quase como se dilatasse o tempo para torturar o espectador. Sentimos na pele, junto com os personagens, a angústia de não saber quem é um curioso exercendo seu voyeurismo de guerra ou quem é um terrorista em potencial, prestes a explodir a si mesmo, levando junto um pelotão americano.



Há uma cena brilhante que traduz o filme inteiro: o sargento James está de volta aos Estados Unidos e vai às compras como qualquer cidadão, num daqueles hipermercados tipicamente americanos. O plano fixo e silencioso, com a câmera posicionada na extremidade de um dos corredores mostra aquele gigante na arte de desarmar bombas agora minúsculo, contemplativo e melancólico, engolido por uma avalanche de caixas de cereal. Um momento sublime em sua singeleza, que evoca as palavras do Coronel Kurtz de Apocalipse Now: “o Horror, o Horror”.

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