Artigos


CINEMA BRASILEIRO, ENTRE O FILÃO RELIGIOSO E O HUMOR TELEVISIVO

03.01.2011
Por Daniel Schenker
TUDO PELA BILHETERIA

Quando o cinema brasileiro começou a se recuperar lentamente após o baque sofrido durante o governo Collor, a preocupação de reconquistar uma ampla faixa de espectadores que passou a renegar a produção nacional se impôs como prioridade. A estratégia utilizada para trazer de volta o público foi mostrando como os filmes brasileiros poderiam ser considerados “respeitáveis”. Não por acaso, poucos exemplares – como Tolerância (2000), de Carlos Gerbase – se atreveram a dialogar com o erotismo que vigorou durante os anos 70. Encerrada a primeira década do século XXI, o objetivo continua o mesmo: reconciliar a plateia com o cinema de seu país. O esforço, em si, é louvável. Entretanto, ocasionalmente alguns diretores abrem mão da qualidade para alcançá-lo. As investidas certeiras, nos últimos tempos, recaem sobre a temática religiosa e o humor diretamente importado da televisão. O resultado geral, sob o ponto de vista artístico, vem sendo insatisfatório.



Tizuka Yamasaki aposta na religiosidade para levar milhões de fiéis aos cinemas. Depois da cruzada espiritual liderada por Bezerra de Menezes (2008), Chico Xavier (2010) e Nosso Lar (2010) é a vez de Nossa Senhora Aparecida fazer tilintar o som das caixas registradoras das bilheterias de todo o país. Como cinema, o que de melhor se pode dizer sobre Aparecida – O Milagre é que não tem a mesma quantidade de excessos grandiloquentes e melodramáticos que superproduções como Olga (2004). Entretanto, a diretora não deixa de investir numa trama familiar para lá de banal, apoiada sobre o surrado contraste entre o pragmatismo do capitalista e o sentido de utopia do artista.



Vejamos: criado em Aparecida do Norte, Marcos fica traumatizado, ainda na infância, ao perder o pai num acidente de trabalho durante a construção da Basílica. Há um corte no tempo e o espectador volta a se deparar com Marcos, muitos anos depois, como um poderoso empresário que renega a fé e não aprova a vida de artista do filho, Lucas. Depois de uma briga séria com o pai, Lucas sofre um grave acidente e fica entre a vida e a morte, situação-limite que confronta Marcos com a própria fé. Originalidade, como se vê, não é o mérito principal de Aparecida – O Milagre .



Na pele do protagonista, Murilo Rosa imprime variações emocionais previsíveis. Maria Fernanda Cândido não tem muito a fazer com uma personagem circunstancial. Fica difícil até para atrizes mais experientes, como Bete Mendes e Leona Cavalli, emprestar credibilidade artística às suas falas. Não seria aqui que Tizuka retomaria contato com uma produção mais autoral, inaugurada, na sua carreira, com Gaijin – Caminhos da Liberdade (1980).



Muita Calma nessa Hora evidencia uma tentativa de Felipe Joffily de enfileirar elementos próprios a um estereotipado filme de verão: abordagem despretensiosa de conflitos afetivos, ambientação numa locação paradisíaca (Búzios, no caso), escalação de atores em dia com a academia de ginástica (a maioria) e registro de humor televisivo.



Em parceria com Marcelo Brasil (fotografia), o diretor investe num tratamento estético publicitário, ainda que, vez por outra, procure disfarçar esse vínculo através de certo tom de paródia, marcadamente nas passagens que evocam Menino do Rio , música de Caetano Veloso. Seja como for, ao longo da projeção, os excessos predominam – principalmente no que diz respeito à overdose na trilha sonora (de André Moraes) e na quantidade de closes nos atores.



A interpretação de boa parte do elenco segue a linha do naturalismo banal. Andreia Horta, Debora Lamm, Fernanda Souza e Gianne Albertoni ficam encarregadas de conferir credibilidade às amigas que procuram dar guinadas em suas vidas durante um final de semana: uma busca um namorado, a outra afirma querer distância e há ainda quem decida desvendar um imbróglio familiar. Os atores (Lucio Mauro Filho, Marcelo Adnet, Nelson Freitas) reproduzem composições bastante próximas do que costumam apresentar na TV.



O roteiro (de Bruno Mazzeo, João Avelino e Rosana Ferrão) é muito pouco inspirado, extraindo graça reduzida das situações cotidianas que acumula. Depois de Ódiquê? (2004), Felipe Joffily segue mirando no público jovem, mas Muita Calma nessa Hora não promove avanços, ao contrário de filmes como Houve uma Vez Dois Verões (2002), de Jorge Furtado, e Antes que o Mundo Acabe (2009), de Ana Luiza Azevedo.



De Pernas pro Ar , novo título de Roberto Santucci, perde a oportunidade de dialogar com o erotismo, espaço ainda quase inabitado pelo cinema brasileiro das últimas duas décadas. Ao invés disso, afirma-se como produto conservador que tão-somente reedita as bastante conhecidas convenções de uma comédia de costumes tradicional.



O lugar-comum impera no roteiro (de Marcelo Saback e Paulo Cursino), um tanto impessoal. Na primeira metade, o público se depara com o contraste entre Alice (Ingrid Guimarães), executiva viciada em trabalho que não poupa tempo para o convívio familiar, e Marcela (Maria Paula), exuberante dona de uma sex shop; na segunda, acompanha os esforços das duas protagonistas – uma já não tão retraída Alice e uma não tão bem resolvida Marcela – em recuperar seus relacionamentos conjugais. Mas os clichês do roteiro não constituem o principal problema, e sim a previsibilidade da estrutura do filme. Tudo o que se espera bate ponto na tela: a inserção de trilha sonora em momentos óbvios, a reprise de manjados conflitos matrimoniais, o discurso edificante perto do final, os personagens mais velhos e prafrentex, a criança que percebe o funcionamento caótico do mundo adulto com uma sagacidade “surpreendente”.



Santucci escalou um elenco capitaneado por comediantes. Ingrid Guimarães e Maria Paula procuram injetar graça em suas personagens esquemáticas. Nessa tarefa, a primeira tem mais chances do que a segunda. Mesmo limitada pelo todo, Cristina Pereira, também com experiência acumulada na comédia, se sobressai aqui e ali. Diretor que deu provas de competência com Olé – Um Movie Cabra da Peste (2000) e Bellini e a Esfinge (2001), Roberto Santucci apostou, em De Pernas pro Ar , no que cabe classificar como um projeto de prancheta, sem frescor, artificialmente calculado para conquistar a adesão do público.



APARECIDA, O MILAGRE

Brasil, 2010

Direção: TIZUKA YAMASAKI

Produção: GLAUCIA CAMARGOS, PAULO THIAGO

Roteiro: MARCO SCHIAVON, CARLOS GREGÓRIO, PEDRO ANTONIO, PAULO HALM

Fotografia: LUIS ABRAMO

Trilha Sonora: PAULO FRANCISCO PAES

Elenco: MURILO ROSA, MARIA FERNANDA CÂNDIDO, JONATAS FARO

Duração: 90 minutos



MUITA CALMA NESSA HORA

Brasil, 2010

Direção: FELIPE JOFFILY

Produção: AUGUSTO CASÉ, RIK NOGUEIRA

Roteiro: BRUNO MAZZEO, JOÃO AVELINO, ROSANA FERRÃO

Fotografia: MARCELO BRASIL

Trilha Sonora: ANDRÉ MORAES

Montagem: MARCELO MORAES

Trilha Sonora: PITTY E LEONI

Elenco: ANDREIA HORTA, DEBORA LAMM, GIANNE ALBERTONI, FERNANDA SOUZA

Duração: 92 minutos



DE PERNAS PRO AR

Brasil, 2010

Direção: ROBERTO SANTUCCI

Produção: MARIZA LEÃO

Roteiro: MARCELO SABACK, PAULO CURSINO

Fotografia: ANTONIO LUÍS MENDES

Trilha Sonora: FÁBIO MONDEGO

Elenco: INGRID GUIMARÃES, MARIA PAULA, BRUNO GARCIA

Duração: 107 minutos





Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário