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UM CINEASTA E QUATRO BAIANOS PORRETAS

18.05.2011
Por Marcelo Janot
UM CINEASTA E QUATRO BAIANOS PORRETAS

Castro Alves, Glauber Rocha, Milton Santos e Carlos Marighella. Um poeta revolucionário, um cineasta revolucionário, um cientista revoluncionário e um poeta guerrilheiro. Quatro baianos que tem suas vidas e suas façanhas movidas pelo ideal libertário. Essa é a mola propulsora da tetralogia de cinebiografias dirigidas por Silvio Tendler (Castro Alves: retrato falado de um poeta, Glauber, o filme: labirinto do Brasil, Marighella: retrato falado do guerrilheiro e Encontro com Milton Santos Ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá) sobre as possibilidades de mudar o mundo.



No livro Quatro Baianos Porretas, uma parceira da Editora PUC-Rio e a Garamond, são apresentados os roteiros dos quatro documentários de Silvio Tendler sobre esses famosos baianos. Na apresentação de cada roteiro Tendler fala sobre a relação dele com os retratados. Castro Alves é o “mais seminal dos poetas românticos, que embalou, com imagens de amor, as mocinhas namoradeiras, inspirou candidatos a galãs e abasteceu de verve artistas libertários”. O guerrilheiro Carlos Marighella, “um homem de coragem numa geração de outros tantos homens de coragem”. Em relação ao também cineasta Glauber Rocha, Tendler diz que tinha fascínio por suas provocações e repulsa pela imprevisibilidade de suas atitudes. E o geógrafo Milton Santos era, para ele, “um brasileiro da estatura de Darcy Ribeiro e Josué de Castro”.



Além dos textos, o livro ainda conta com uma entrevista concedida ao professor e crítico de cinema Miguel Pereira. Uma conversa bem descontraída sobre um cinema que se equilibra entre a história e programas políticos pra TV, entre o documentário e a propaganda eleitoral. Quando questionado sobre se o documentarista precisa ter um compromisso político, Silvio diz que tem dificuldade de tentar entender a vida e a arte dissociada da política. Algo que reflete, e muito, a maneira com que ele faz cinema. E nessa coleção também não é diferente. Aqui, os personagens retratados existem para que se possa pensar a sociedade e sobretudo os modelos sociais que existem atualmente.



Morto em 2001, o geógrafo Milton Santos saiu de cena no momento em que sua teoria sobre a globalização se revelava cada vez mais fundamental para se entender o mundo moderno. Seu pensamento é resgatado por Silvio Tendler no documentário Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá, a partir de uma longa entrevista e de narrações de sua obra. É uma transposição didática e apaixonada, com um quê de Michael Moore e Al Gore, que soa como um grito de alerta contra as distorções sociais e econômicas provocadas pelo “globalitarismo”.



Glauber – O Filme demonstra um incrível poder de comunicação. Ele motiva o público em geral a enxergar Glauber distante da visão simplista oferecida por seus detratores nas últimas décadas, de um quase-louco que fazia filmes chatos e alegóricos. No Glauber retratado por Silvio Tendler, a genialidade de sua obra é ressaltada não por explicações acadêmicas de críticos e estudiosos, mas pela persona vibrante, corajosa e lúcida em sua quase loucura, expressa nos depoimentos de amigos e do próprio Glauber, que costuram o documentário. Há uma vibração e uma intensidade que Tendler valoriza e inteligentemente intercala com as preciosas imagens do velório e do enterro do cineasta, sublinhadas por uma trilha sonora dramática que exerce uma função semântica semelhante à que Glauber empregava com a música em seus filmes. Essa dialética Glauber vivo-Glauber morto confere ao filme uma ressonância mítica legitimamente glauberiana, sem que se distancie da opção pelo didatismo. Enfim, uma obra que dá a Glauber a chance de, finalmente, conquistar a popularidade que ele sempre mereceu.



Em Marighella, retrato falado de um guerrilheiro a opção encontrada por Tendler para contar a história está no título, na referência aos retratos falados da polícia. Nas imagens que vão surgindo aos poucos a partir de descrições orais de várias pessoas e também do personagem. O filme é baseado no livro Por que resistir, escrito por Marighella em 1965, que explica a decisão de Marighella de organizar a resistência armada contra a ditadura militar, de organizar os operários e camponeses em uma luta de libertação nacional pelo socialismo.



Em Castro Alves, retrato falado do poeta, Castro Alves surge em reconstrução que mistura documento e ficção. Com a ausência de imagens do século XIX, Tendler lhe deu vida através da interpretação do ator Bruno Garcia. A narração em primeira pessoa, como uma biografia composta por poemas, cartas, canções, mostram o poeta nos seus últimos momentos à beira da morte prematura. Revelam o militante libertário, defensor das mais nobres causas que um ser humano pode defender, e que ficou conhecido como o “poeta dos escravos”.



Se os tempos mudaram e um documentário não é mais capaz de levar centenas de milhares de pesoas ao cinema, como Silvio Tendler fez com Jango, Os Anos JK e O Mundo Mágico dos Trapalhões, isso não significa que seu trabalho recente, como o documentário Utopia e Barbárie, tenha perdido relevância e importância histórica frente à nova ordem mundial. Muito pelo contrário. A coleção livro-DVDs Quatro Baianos Porretas é um bom exemplo dessa obra recheada de vigor e coerência.

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