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DUBLÊ DO DIABO

14.08.2012
Por Luiz Fernando Gallego
Mantém a atenção enquanto mostra um homem submetido a transformações físicas e "deixando de existir" para ser uma réplica substituta de outro.

Texto revisto a partir do que foi publicado durante o Festival do Rio 2011



Desde O Príncipe e o Mendigo, de Mark Twain, histórias de pessoas comuns que são sósias de outras, poderosíssimas, capturam a imaginação do público com a pitada extra de interesse que envolve o poder, indo além do fascínio básico que já existe nas inúmeras narrativas que tratam do tema do “duplo”. No cinema, é fácil lembrar de O Grande Ditador, de Chaplin - no qual um humilde barbeiro judeu ocupava o lugar de um ditador que era obviamente uma caricatura de Hitler – não fosse este uma caricatura pervertida do personagem do “Vagabundo”, como dizia o próprio Carlitos.

O interesse maior de O Dublê do Diabo, exibido no Festival do Rio 2011, mas lançado no Brasil diretamente em DVD e Blu-Ray sem passar pelo circuito comercial, fica por conta de ser inspirado em fatos reais que aconteceram a Latif Yahia, um iraquiano de ascendência curda que foi convocado para ser o dublê de um filho de Saddam Hussein, o psicopata Udai. Nos dois papéis, uma ótima performance de Dominic Cooper é um destaque do filme.

Mas por mais que se saiba que Udai Saddan Hussein foi uma figura abjeta por seu sadismo em doses cavalares, o roteiro, baseado em livro homônimo do próprio Latif, incorre em doses de maniqueísmo, tal a correção exemplar de como Latif é retratado (ou se retrata no livro?), em contraste com as monstruosidades sem limites de Udai. Chega a haver até mesmo uma distorção dos fatos ao colocar Latif como autor de um atentado contra Udai. O atentado existiu, mas Latif não teria tido o papel que o filme lhe atribui (ou que ele talvez tenha se atribuído no livro que serviu ao filme).

Dizer que este é o melhor filme assinado por Lee Tamahori em muitos anos também não é dizer muito, visto que o diretor dos corretos O Preço da Traição (1996) e No limite (1997) vem assinando obras medíocres como o lamentável O Vidente (2007). O diretor consegue manter a atenção enquanto é desenvolvida satisfatoriamente a situação de base, mostrando como Latif foi treinado para ser como Udai, submetido a transformações físicas e de suas atitudes corporais para acentuar as semelhanças naturais já existentes entre eles. Ou seja, quando Latif praticamente "deixa de existir" para passar a ser uma réplica substituta de Udai, especialmente em situações de perigo previsível.

Mas na segunda metade do filme, os lances folhetinescos do enredo vão minando a impressão inicial de que teríamos um desenvolvimento mais consistente. Em vez disso, vemos algo como outra réplica, por lembrar - superficialmente - Scarface na versão Brian de Palma, com a violência levada para o Oriente Médio. A lamentar que a carreira internacional de Ludivine Sagnier comece em um papel secundário, clichê, e sem as mesmas chances de de seus filmes franceses.

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