Ariel e Zaza – respectivos protagonistas de Esperando O Messias e Casamento Arranjado - querem “ver o que se passa lá fora”, escapar de uma determinada redoma para exercer suas individualidades, seus direitos de escolha. No primeiro filme, o diretor Daniel Burman destaca o conflito de um rapaz que, apesar de não enfrentar um contexto repressor, fica dividido entre a comunhão judaica e a busca da própria identidade através de experiências afetivas “estrangeiras”; no outro, Dover Kosashvili transcende a questão religiosa ao tratar da dependência emocional de um filho em relação aos dogmas familiares, da extrema dificuldade em sustentar uma situação de autonomia frente a uma pesadíssima carga de pressão ancestral.
Ambos os cineastas parecem filmar movidos por uma motivação pessoal. Diz Daniel Burman: “há 24 anos, um rabino se aproximou e cortou um pedaço do meu pênis. Há 11 anos, quando entrei na adolescência, um rabino me deu os Livros Sagrados e me explicou meus diretos e privilégios durante o Bar-Mitzva. Algum tempo depois compreendi que ser orgulhoso das minhas origens não significava que deveria estar convencido do meu destino. Comecei, então, a procurar o meu Messias”. Burman (autor do roteiro junto com Emiliano Torres) criou Ariel, personagem judeu que trabalha diretamente com imagens. Mas, ainda assim, pode soar precipitado falar em alter-ego. E um pouco estranho, na medida em que Ariel externa visões padronizadas (acerca do contato com outros homens e da impressão estereotipada da homossexualidade feminina) que surgem desacompanhadas de um teor mais crítico.
Kosashvili, diretor e roteirista, também emprestou características suas a Zaza, a começar pela formação filosófica. Neste seu primeiro longa-metragem (concluiu seus estudos na Universidade de Tel Aviv com o curta White Rules, premiado nos festivais de Cannes e Jerusalém), o diretor mostra o reverso da leitura psicanalítica referente ao tradicional processo de crescimento do ser humano, calcado na capacidade de romper com o cordão umbilical à medida em que toma consciência de si mesmo. As circunstâncias externas acabam infuenciando pouco nas trajetórias das personagens – Zaza mora sozinho mas não alcança a libertação familiar e Ariel, ainda que imerso numa Argentina em crise, está mais centrado nas suas questões particulares.
Se Casamento Arranjado , que compensa o primarismo de algumas interpretações do elenco coadjuvante com uma abordagem polêmica sobre o quão penoso pode ser lidar com a perspectiva do exílio familiar, permanece numa esfera concentrada, Esperando O Messias parece propositadamente mais disperso, ao sublinhar as presenças de outras personagens, como Santamaria, homem que, não por acaso, contacta pessoas desconhecidas ao achar documentos de identidade perdidos nas ruas e perambula à espera de “alguém que me devolva ao mundo”. Não demora muito para encontrar este alguém na figura de uma solitária mulher que passa seus dias trabalhando numa pouco frequentada estação de trem. Otimista, Daniel Burman tenta demonstrar, através de um filme convencional, sua crença de que o homem não está completamente sozinho no mundo; já Dover Kasashvili parece lembrar que as pessoas nem sempre receberão apoio e aprovação na realização de desejos legítimos mas muitas vezes taxados de clandestinos.
# ESPERANDO O MESSIAS
Argentina/Itália/Espanha, 2000
Direção: DANIEL BURMAN
Roteiro: DANIEL BURMAN e EMILIANO TORRES
Produção: AMEDEO PAGANI, DANIEL BURMAN e LUIS ANGEL BELLABA
Fotografia: RAMIRO CIVITA
Montagem: VERÒNICA CHEN e JACOPO QUADRI
Elenco: Daniel Hendler, Enrique Piñeyro, Stefania Sandrelli, Chiara Caselli, Hector Alterio
Duração: 98 minutos
# CASAMENTO ARRANJADO (HATOUNA MEHUHERET)
Israel/França, 2001
Direção: DOVER KOSASHVILI
Roteiro: DOVER KOSASHVILI
Produção: MAREK ROZENBAUM e EDGARD TENEMBAUM
Fotografia: DANI SCHNEOR
Montagem: YAEL PERLOV
Elenco: Lior Loui Asskenazi, Ronit Elkabetz e Moni Moshonov
Duração: 100 minutos