Ao contrário da maioria dos festivais de cinema, em que os filmes exibidos são selecionados pelos programadores dos eventos, na disputa pelo Oscar cada país tem a oportunidade de indicar um filme para representá-lo. Normalmente, uma comissão oficial, ligada ao governo e seu ministério da cultura, é a responsável por designar esse representante, obedecendo a critérios que podem variar do valor artístico ao mero interesse comercial. De uma forma ou de outra, não deixa de ser interessante observar que a escolha dessas obras pode significar a maneira como estes países gostariam, oficialmente, de ser vistos mundo afora através de seu cinema. E também como eles gostariam que seu cinema fosse visto.
O Festival Internacional de Palm Springs, que aconteceu entre 9 e 19 de janeiro, exibiu 53 dos 56 filmes estrangeiros que tentaram uma indicação ao Oscar esse ano. Dentre a série de constatações que se pôde fazer ao assisti-los está a de que, entre os nove filmes latino-americanos submetidos ao Oscar (nenhum ficou entre os cinco finalistas) exibidos em Palm Springs, cinco são de diretores estreantes em longa-metragem, o que soa como um interessante sopro de renovação por parte dos comitês de seleção. Desses cinco filmes, três permanecem fiéis à tradição do clássico cinema latino-americano, de fortes tintas políticas e melodramáticas: o peruano Paloma de Papel, de Fabrizio Aguilar, o colombiano La Primera Noche, de Luis Alberto Restrepo, e o uruguaio El Viaje Hacia El Mar, de Guillermo Casanova.
Paloma de Papel e La Primera Noche possuem a mesma motivação: mostrar como as atividades dos grupos terroristas no Peru e na Colômbia afetaram negativamente a vida dos cidadãos campesinos destes países. Mostrando um domínio narrativo surpreendente para um estreante, Aguilar oferece uma interessante investigação das motivações do grupo Sendero Luminoso nos anos 80. Já Restrepo, mesmo com os inúmeros problemas técnicos e dramatúrgicos de seu filme (a mal estruturada trama em flashback, más atuações), consegue fazer a ponte entre a guerrilha na zona rural e a violência na grande cidade através da história de um casal forçado a migrar para escapar da ameaça terrorista.
Em El Viaje Hacia El Mar, o subtexto político é muito sutil, quase inexistente, mas a paisagem campestre tem grande importância na trama, quase como um personagem que dialoga com o grupo de cidadãos do interior que resolve conhecer o mar pela primeira vez. É notório o esforço do diretor e roteirista Guillermo Casanova no sentido de evitar que a atmosfera nostálgica de seu filme se reflita em doses cavalares de clichês melodramáticos, e ele é bem-sucedido nesse aspecto, embora os personagens principais sejam excessivamente estereotipados, com algumas situações e diálogos ingênuos.
Os outros dois filmes dirigidos por estreantes refletem uma diferente faceta do cinema latino-americano. Com 25 e 30 anos de idade, respectivamente, o boliviano Rodrigo Bellot (Dependencia Sexual) e o chileno Andrés Waissbluth (Los Debutantes) parecem típicos representantes da geração de jovens cineastas que têm como influência direta Quentin Tarantino e seu discípulo latino, o mexicano Alejandro Iñarritu (Amores Brutos, 21 Gramas) – histórias contadas sob diferentes pontos de vista, cujas narrativas convergem para uma única no final, altas doses de sexo e violência gráfica e um ritmo intenso, como pregam os mandamentos da turma alfabetizada pela linguagem da MTV.
Bellot procura discutir a questão da identidade sexual dos jovens e os dilemas que os cercam fazendo uma ponte entre a juventude boliviana e a americana, ambientando a história em ambos os países. Os personagens de seu filme são um perfeito exemplo da juventude idiotizada marcada pela globalização e pelo consumo de massa, que reduz a quase zero as diferenças culturais que deveriam existir entre os jovens bolivianos e americanos – não é preciso dizer que os bolivianos é que se comportam como os americanos, e não vice-versa. Já Waissbluth oferece seu coquetel de sexo e violência dentro de um contexto que traz dois irmãos envolvidos quase por acaso num mundo de gângsteres do Chile contemporâneo, mas que poderia perfeitamente se ambientar em Nova York ou qualquer outro grande centro urbano. Há muito pouco de Chile ali.
Não estamos criticando a opção estética e temática dos diretores, nem exigindo que eles refletissem mais intensamente a cultura de seu país, como fizeram, dentro dessa mesma linha, Amores Brutos e Cidade de Deus, para citar exemplos bem-sucedidos desse novo emergente cinema latino-americano. O problema aqui é que o apuro estético parece mais importante para os realizadores do que propriamente o cuidado com o que se tem a transmitir, e mesmo nesse campo da linguagem ambos pecam por tentar voar mais alto que suas asas permitem (principalmente no caso do pretensiosíssimo Dependencia Sexual), e com isso ficam mais evidentes as falhas de roteiro e as imperfeições técnicas. A ruptura com as tradições do cinema latino-americano, nesse caso, soam mais como mera tentativa frustrada de copiar a fórmula hollywoodiana do que qualquer outra coisa.
No mundo atual, controlado pela ditadura midiática, a visibilidade oferecida pelo Oscar pode ser um bom caminho para que o cinema latino mostre a sua nova cara. Mas há de se ter cuidado sobretudo na hora de abrir a boca, senão todo esse esforço terá sido em vão.