Atom Egoyan , dos ótimos O Doce Amanhã e A Viagem de Felícia, reaviva em Ararat uma questão polêmica: o genocídio dos armênios pelos turcos em 1915. O diretor, radicado no Canadá desde a infância, embora nascido no Egito, é de origem armênia. No Festival de Cannes/02, a pedido do próprio Egoyan, o filme foi apresentado numa mostra paralela não competitiva: "disputar prêmios tornaria ainda mais política uma discussão que já se politizou demais", declarou ele na ocasião.
Ararat toca num ponto delicado, já que o episódio é minimizado pelos turcos, que negam ter havido um holocausto e afirmam que o cinema muitas vezes contribui para que fatos históricos sejam deturpados. O governo da Turquia chegou a enviar carta para os distribuidores protestando contra o lançamento do filme.
Ararat, roteirizado pelo próprio Egoyan, é baseado no livro de Clarence Ussher e conta a história do cerco e posterior massacre da população de Van, cidade armênia da Turquia. Embora o governo turco negue o fato, vários países, apoiados em testemunhos históricos, já reconheceram o genocídio, como é o caso da França. Talvez por isso, Egoyan tenha escolhido um francês, também descendente de armênios, para o papel principal : o cantor Charles Aznavour, um militante das lutas armênias .
Aznavour interpreta o famoso diretor Edward Saroyan, que está realizando um épico justamente sobre os trágicos acontecimentos de há quase 90 anos atrás. A filmagem do épico é o eixo ao qual vão se cruzar várias histórias paralelas. Com uma estrutura fragmentada, os diversos personagens convergem para o massacre: a de Ani (vivida por Arsinee Khanjian, mulher de Egoyan), uma canadense especialista na obra do pintor norte americano de origem armênia, Arshile Gorki, sobrevivente do extermínio e autor de um quadro-chave da história; a do filho dela, Raffi, que vai a Turquia buscar suas raízes e na volta é investigado na alfândega, sob suspeita de trazer drogas, por um policial em final de carreira (Christopher Plummer); a do filho do policial , um homossexual que vive com um descendente de turcos . E assim, de sub-trama em sub-trama, às vezes com problemas na solução de falhas de roteiro, ele vai compondo o eixo central do filme.
Essa estrutura fragmentada, aliás, é um artifício muito utilizado por Egoyan em seus filmes: em O Doce Amanhã, por exemplo, as sub-tramas giravam em torno de um acidente de ônibus numa pequena cidade do interior canadense. Agora, em Ararat , a teia é formada por pessoas afetadas direta ou indiretamente pela mesma tragédia histórica. Egoyan confirma que gosta de utilizar a técnica das Mil e uma Noites. "Uma de minhas inspirações é contar histórias para lidar com os traumas", diz o diretor, acrescentando que a questão tratada no filme é universal. "É uma história que se aplica a qualquer povo que tenha sofrido uma ação violenta extrema, como foi o caso do povo armênio", afirma.
O militante Aznavour, por sua vez, acha que o filme presta um serviço à história : "discordo quando dizem que a obra é revanchista; ao contrário, ela narra um episódio histórico e será importante para conhecimento e alerta das novas gerações de turcos", tem declarado em entrevistas. Egoyan é também conhecido pelo seu método de trabalho com os atores: gosta de conversar , ensaiar muito antes da tomada final, não deixando muita margem para improvisações. O resultado pode ser notado facilmente em Ararat onde fica visível que cada cena foi precedida de cuidadosa preparação, mesmo que, como dito acima, por vezes o roteiro perca verosimilhança, sobretudo em seus diálogos. O embate verbal entre o jovem Raffi e o veterano agente de migração representado por Plummer é um exemplo disso.
Ararat não está entre os melhores filmes de Egoyan. Mas a forma sofrida como é contada a história da tragédia que atingiu o povo com que o diretor tanto se identifica , deixa claro que o tema estava preso em sua mente e em seu coração. E que era apenas uma questão de tempo para que ele deixasse o seu testemunho da melhor forma que ele conhece: nas telas do cinema.