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GRANDEZA CURTA DO MUNDO ANIMADO

16.07.2004
Por João Mattos
GRANDEZA CURTA DO MUNDO ANIMADO

O tão atestado grande momento do cinema de animação mundial encontra inúmeras confirmações na programação do Anima Mundi. A expressão plástica unida à complexidade moral de certas atrações (em concordância com o melhor do cinema de animação neste momento, incluindo mega sucessos como A Era do Gelo, Monstros S.A., Procurando Nemo, etc), tantos nos curtas como longas, tornam alguns desses filmes imperdíveis até para os (infelizes e cada vez em menor número) cinéfilos que não gostam de animação. Eis algumas dicas de curtas e as respectivas datas de exibição dos mesmos no Rio e em São Paulo.



- Harvie Krumpet (Direção: Adam Elliot - Austrália / Austrália, 2003) – Esta co-produção Europa/Oceania narrada em off na língua inglesa, proporcionou a grande surpresa do Oscar deste ano ao ganhar de forma inesperada a estatueta de melhor curta de animação. Justa surpresa. Biografia do personagem-título, um homem comum (nascido no Leste Europeu e que vai morar na Austrália) que sofre de uma leve deficiência mental e parece amaldiçoado por um azar permanente, o filme tem um humor fino, irônico, que nunca abraça o cinismo sarcástico, ao mesmo tempo em que nenhum instante se compadece do personagem principal. O contrastante entre a excelente narração (feita pelo famoso ator australiano Geoffrey Rush) e o visual de olhos esbugalhados de Harvie (o filme foi rodado usando a técnica do stop-motion, da animação em massinha), é impactante; a idéia dos intertítulos com os fatos, pequenas boutades filosóficas que dão lições de vida, muito bem aplicada. Há momentos de tristeza mostrados quase com graça (o entra-e-sai do hospital), outros de pura depressão (o ponto de ônibus), mas o final aponta para a necessidade de esperança, ainda que de forma algo torta e permeada por certa crueldade. Uma obra-prima.

Exibições (dentro do Programa 5): Rio de Janeiro dias 13, 15, 17 / São Paulo dias 21 e 24



- A Espera (Direção: Ernesto Solis - Brasil, 2004) – Animação brasileira computadorizada em terceira dimensão, que usa movimentos com atores reais como base. A estrela é o ator e diretor teatral Enrique Diaz, que atua como um homem que espera sentado na frente de um pequeno hotel. A técnica do filme é interessante, só que a dramaturgia, nem tanto. Podia funcionar antes de tudo como exercício de estilo, mas o tênue fiapo de trama que não funciona acaba impedindo que assim elae seja de todo apreciado. Ainda assim, curta talentoso.

Exibições (dentro do Programa 1): Rio de Janeiro dias 13 e 17 / São Paulo dia 21



-A Explosão do Sr. Blumfisch (Direção: Mathias Schreck e Marc Hotz / Alemanha, 2003) – Outro curta que usa computador em 3D. Traz uma trama de surrealismo leve, com humor negro de teor bem germânico. Estamos no dia 25 de setembro de 1998, um dos últimos dias quentes do outono do país. Um dia normal na vida de alguém como o Sr. Blumfisch, pacato cidadão, exceto pelo fato de que sem razão, ele irá explodir pelos ares (não é uma metáfora). O humor também tem algo de teatro de absurdo e daquele viés de enxergar na vida dita comum, algum desvio que elucide as anomalias que podem surgir. Muito bom, só que sem a candura de Harvie Krumpet. É cruel mesmo.

Exibições (dentro do Programa 3): Rio de Janeiro dias 13, 14, 16 / São Paulo 21 e 24



-Cão de Guarda (Direção: Bill Plympton / EUA, 2004) - Nada pode ser tão consagrador para a grande arte do que ter alcance universal de uma forma simples e não forçada . Este curta americano sobre um cara qualquer que passeia com seu raivoso cão, uma máquina de babar e latir de olhar e comportamento furioso e boçal, e também quase pueril nessa violência burra (reparem nos pulinhos que o cão dá, e seu ar de felicidade tonta) podia ter sua trama transferida para qualquer parte do planeta. Na Europa, algum skinhead racista, no Brasil, um pittboy passeando por Ipanema. Feito em lápis e papel pelo cartunista Bill Plympton (conhecido do grande público por ter feito umas vinhetas que passavam na MTV, de estilo gráfico similar ao deste filme), Cão de Guarda traz o canino demente olhando para as criaturinhas e coisas mais inocentes (entre elas, um passarinho e uma flor ...) e imaginando que elas estão atacando seu dono. Final previsível, mas e daí? Isto até fornece ao filme um sentido de inevitável fatalismo. O festival também vai passar um longa de Plympton, Cabelos em Pé.

Exibições (dentro do Programa 7): Rio de Janeiro dias 12, 13, 15 / São Paulo dias 22, 24



-Annie & Boo (Direção: Johannes Weiland / Alemanha, 2003) – Filme alemão falado em inglês (técnica de computador em 3D) que traz história que mistura registro que mistura realismo com toques de fantástico, meio na linha daqueles seriados tipo Além da Imaginação. Pela primeira vez uma adolescente topa com uma coincidência (é assim que essa criatura se denomina) de verdade. A coincidência é uma criatura chamada Boo, de aparência estranha e indefinida. Algumas pessoas vêem uma atmosfera velada de pedofilia no relacionamento entre os dois (não concordo) nesse curta meio bizarro, que tem uma técnica interessante (planos bem abertos na estação de trem em que se passa a trama), porém, cansando, mesmo que tenha curta duração. Roteiro e tipo de ritmo podiam ser melhores.

Exibições (dentro do Programa 1): Rio de Janeiro dias 13, 17 / São Paulo: dia 21



-Abraço do Vento (Direção: José Miguel Ribeiro / Portugal, 2004) – Animação de objetos, pintura, desenho e massinha. Quatro são as técnicas empregues por esse filme português, num evidente tour-de-force que é sua força e fraqueza. Não há plot, nem trama de espécie alguma. Ele seria o equivalente aos filmes em 35 mm que dialogam com as artes plásticas. Cheque a sinopse divulgada: num mundo onde o ferro e a terra se fundem criando cidades inesperadas, o vento sopra a vida por entre as folhas no ciclo eterno do renascer.... O que temos é exercício de grafismos e composições as mais variadas possíveis. Tal como A Espera podia funcionar como amostra tecnicista de estilo, mas fica um sabor de realização meio árida apesar das intenções ousadas. É a obra menos interessante do lote citado nessa matéria, só que como o nível do todo é bem alto, significa que deve e merece ser vista com atenção.

Exibições (dentro do Programa 15) – Rio de Janeiro dias 13, 14, 15 / São Paulo dia 22



-Parêntese (De François Blondeau, Thibault Deloof, Jérémie Droulers e Christophe Stampe / França, 2003) – Para fechar uma lista modesta de dicas em meio à imensidão de coisas que o Anima Mundi tem a oferecer, nada melhor que outra obra-prima. Essa animação francesa em 3D tem uma dramaturgia meio vaga, não tem um cerne dramático muito claro, e essa (no caso) é uma opção acertada que casa à perfeição com a plasticidade. Em meio à impessoalidade e agitação de um grande centro urbano, Parêntese traz um homem desolado e em plena angústia existencial, numa relação estranha com o que cerca física (a cidade) e metafisicamente (o tempo, etc). Soou meio vago, como já foi dito? É assim mesmo nesse curta rápido (seis minutos) que evoca (sem citação nenhuma) a atmosfera do expressionismo alemão (pelo design) e do cinema moderno dos anos 60 tipo Antonioni (pelo conflito). Porém, você não precisa concordar nem um pouco com isso para apreciar essa pequena jóia.

Exibições (dentro do Programa ) – Rio de Janeiro dias 13, 14, 17 / São Paulo: dia 22

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