O lançamento em DVD deste western um tanto atípico pode se constituir em uma ótima surpresa - não só para os que curtem o gênero, mas para cinéfilos em geral. E até mesmo para feministas.
O filme em película parece ter sido lançado no Brasil bem no início da década de 1950 com o título de “O Poder da Mulher” (o original é Westward the Women), mas foi rebatizado em DVD da Classicline como CARAVANA DE MULHERES, provavelmente a partir do título que recebeu na França.
Com outro lançamento recente em DVD, o excelente Dívida de Honra, de Tommy Lee Jones (que foi mal lançado e passou praticamente despercebido no circuito comercial), um filme de 2014 que também aborda a duríssima vida das mulheres no Oeste americano do século XIX, conhecer este outro bem mais antigo pode formar uma dobradinha bem interessante para o cinéfilo.
Se em Dívida de Honra as mulheres já aparecem de saída ensandecidas pelas intempéries da região e menosprezadas por seus maridos, o filme de 1951 também não promete nenhum jardim de rosas para as 148 que se dispuseram a atravessar o deserto com areia e calor insuportável, além de montanhas com neve e frio intenso, em busca de casamento com os homens solitários empregados em uma fazenda distante de onde elas partiram.
O mais curioso é que, apesar de ser uma produção da MGM no auge de sua fase de lançar divertimentos sem maior compromisso com o mundo real, este filme não deixa de fora a tensão sexual que se estabelece entre os poucos batedores masculinos (experientes na região e contratados para as protegerem e ajudarem nas travessia) e algumas mulheres do grupo - o que será sempre reprimido pelo líder da caravana vivido por Robert Taylor, um ator-galã limitado que não chega a atrapalhar. O modo como estas questões sexuais surgem é bastante discreto, mas – para a época – nos pareceu bem inusitado.
Também a dureza da travessia não é maquiada em favor de uma heroicização gratuita das personagens - apesar dos créditos surgirem em planos do elenco em formatação “épica” e com tema musical grandiloquente, com direito a coro feminino e tudo. Mas há momentos de tanto perigo – e sem os atuais efeitos digitais - que não fariam feio no Fitzcarraldo de Herzog.
Uma pena que o DVD nacional não tenha incluído como extra um curta-metragem que a MGM produziu para divulgar o filme (e talvez “preparar” as plateias para os momentos mais duros do enredo), lançado dois meses antes do longa-metragem, um “making of”, coisa rara na época. Lê-se que este curta promocional mostrava os desafios das filmagens durante oito semanas em locação, no deserto de Utah, a cinquenta milhas de uma pequena cidade, com enormes dificuldades de acesso e transporte de comida, água e abrigo para a equipe. Foi necessário até mesmo construir vias de acesso (estradas) entre a cidadela e o local em que o filme foi rodado.
Outra curiosidade é que o roteiro foi desenvolvido a partir de uma ideia original de Frank Capra, cineasta a quem não associaríamos um western, muito menos um western “diferente” e tão mais realista em vários aspectos do que o que o cinema americano realizava até então.
Certamente, os não poucos méritos do filme se devem à mão firme do diretor, pouco lembrado e mesmo pouco conhecido hoje em dia, William A. Wellmann. (Não confundir com o William Wyler de “A Princesa e o Plebeu”, “Ben-Hur” e “O Colecionador” – que, por sua vez, não raramente era confundido - ainda quando viviam - com seu amigo Billy Wilder - de “Quanto mais quente, melhor”, Sunset Boulevard [O Crepúsculo dos Deuses] e “Se meu apartamento falasse”].
Wellmann é descrito como um sujeito rude que, antes de dirigir, foi jogador de hockey e aviador (seu sonho desde mais jovem), tanto na Legião Estrangeira como na armada americana da I Guerra, tendo ganho o apelido de “Wild Billy”. Com boa-pinta, foi chamado para atuar no cinema, ainda no cinema silencioso, mas sem gostar de atuar (e posteriormente menosprezando atores e atrizes), conseguiu passar para detrás das câmeras. Recebeu um Oscar de roteiro pela primeira versão de Nasce uma Estrela (1937) que também dirigiu. E é também lembrado - pelos que conhecem o cinema americano mais antigo – pelo filme que firmou James Cagney como “gangster”, Inimigo Público (1931) e também por Beau Geste (1939), além de muitos filmes de ação e aventura; mas ele dizia orgulhar-se de ter sido despedido de todos os estúdios de Hollywood - menos dos estúdios Disney (porque nestes, ele acrescentava, nunca foi contratado, é claro).
Se, pelo que o roteiro afirma, as mulheres necessitavam de homens experientes para a árdua travessia (enquanto eles permaneceram ao lado delas), fica bem destacada a entrega e dedicação da maioria, enfatizando que as sobreviventes foram, de fato, fortes e muito corajosas. Se em uma máquina do tempo elas pudessem ter acesso ao filme realizado 64 anos depois por Tommy Lee Jones, o já mencionado Dívida de Honra, talvez não se dispusessem à odisseia que enfrentaram. Já para o cinéfilo, e também como já foi dito, vale muito a pena conhecer esses dois lançamentos em DVD.
Em prol de deixar o espectador descobrir as surpresas do enredo, vamos parar os comentários, dizendo apenas que foi uma ótima surpresa constatar como as regras do gênero foram em grande parte subvertidas (ao lado de muitos poucos clichês, certamente mantidos para não afastar o público da época em que foi realizado). Mesmo assim, desconfio que não deva ter sido nenhum grande sucesso de bilheteria - como o “Dívida de Honra”. Mas mereciam, ambos.