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LEVE SEU GERENTE AO CINEMA

05.11.2004
Por Carlos Alberto Mattos
LEVE SEU GERENTE AO CINEMA

Procurando Nemo agradou a crianças e adultos, intelectuais e donas-de-casa, empedernidos e moderninhos. Agora sabemos que o filme da Disney/Pixar também pode interessar diretamente a patrões e empregados. Além de uma diversão de primeira e de um triunfo da animação computadorizada, é uma fábula sobre aprendizagem, espírito de equipe, assunção de riscos, superação de limites, busca de objetivos, solidariedade e outros tantos temas que interessam ao gerenciamento de recursos humanos nas empresas. É essa faceta específica do cinema que Myrna Silveira Brandão ilumina no livro Leve Seu Gerente ao Cinema – Filmes que Ensinam.



Cinqüenta obras são analisadas pelo instrumental que oferecem para a discussão de questões de pessoal nas organizações. Algumas parecem obrigatórias numa seleção como essa. São os casos de Recursos Humanos e A Agenda, do “especialista” Laurence Cantet, da comédia O Closet ou de O Sucesso a Qualquer Preço, de Sidney Lumet. Mas outros soam inesperados e ganham novos significados pela leitura de Myrna. Quem percebeu, por exemplo, que Buena Vista Social Club é um filme sobre a necessidade de se reconhecer talentos escondidos, por mais tarde que pareça?



A abordagem somente tangencia aspectos estéticos e de linguagem cinematográfica, e apenas quando estes se relacionam diretamente com os temas expostos. No mais, é um livro de análise de conteúdos, onde os ingredientes dramáticos e as “mensagens” se sobrepõem a qualquer outra coisa. Muitas vezes, essa orientação leva Myrna a desvelar ângulos que ficaram subestimados na recepção crítica de certos filmes.



Não se trata, é bom dizer, de uma antologia de obras-primas do cinema. Lá estão os clássicos Cidadão Kane (alcance e limitações do poder, ética, manipulação da opinião pública) e Tempos Modernos (alienação no trabalho, fragmentação de tarefas etc) ao lado de Lições de Vida e Patch Adams, filmes medíocres do ponto de vista artístico mas recheados de dilemas para serem abordados num programa de desenvolvimento corporativo.



Cada filme tem sua trama sintetizada, com destaque para os padrões de comportamento e de interação entre as personagens. Algumas declarações do diretor podem ser incorporadas para reforçar a argumentação da autora, que ao final destaca os temas passíveis de discussão dentro da empresa. O volume contém, ainda, uma série de orientações práticas sobre o uso do cinema em treinamento e desenvolvimento de recursos humanos.



A jornalista e socióloga Myrna Silveira Brandão, presidente do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro, é uma apaixonada estudiosa do tema da convivência humana no cinema. Possui uma vasta experiência na utilização dos filmes como ferramenta de treinamento e desenvolvimento, o que a levou à diretoria cultural da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio de Janeiro. No artigo que serve de introdução do livro, ela invoca o teórico Hugo Munsterberg, que dividiu o desenvolvimento do cinema em externo (tecnológico) e interno (o seu uso pela sociedade). Assim, tomar os entrechos dos filmes como metáforas de comportamento válidas para as empresas e a vida ao seu redor seria uma maneira de estimular e aferir esse desenvolvimento interno do cinema.



Por mimetizar mais intimamente a vida social e por circular com mais desenvoltura no mercado, o cinema americano domina os exemplos reunidos pela autora. Mas há também espaço para filmes iranianos, brasileiros, franceses e asiáticos. Edifício Master e Janela da Alma comparecem como ilustrações, respectivamente, da diversidade humana e da reformulação de paradigmas que pode nos ajudar a ver melhor o outro. Sua apresentação do documentário experimental Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos, de Marcelo Masagão, é um dos melhores momentos do livro.



Há, ainda, os filmes abordados não por causa do tema, mas pelo seu entorno. De Body and Soul, o pioneiro filme negro de 1925, Myrna destaca o artifício usado pelo roteirista-diretor Oscar Micheaux para evitar a interdição de seu filme na censura: ele alterou o final, fazendo toda a história se converter em sonho de uma personagem. Ou seja, a busca de “soluções laterais”, fora do escopo principal do problema, pode ser decisiva em situações críticas. Na história de Joanne K. Rowling, que teve seu Harry Potter recusado por nove editoras antes de se tornar best-seller mundial, Myrna identifica um pecado mortal de desprezo de talento por erro de avaliação.



Leve Seu Gerente ao Cinema tem muito para agradar não apenas a grupos de treinamento, mas a todos os que procuram no cinema um material de reflexão sobre a vida em sociedade.



# LEVE SEU GERENTE AO CINEMA – Livros que Ensinam

Autora: MYRNA SILVEIRA BRANDÃO

Prefácio: LUIZ AUGUSTO M. DA COSTA LEITE

Editora: QUALITYMARK

Rio de Janeiro, 2004:

162 páginas

Preço: R$ 30

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