Apesar de ter recebido indicação ao Oscar de melhor atriz, Loving é mais um filme do diretor Jeff Nichols que não vai ganhar distribuição comercial no Brasil em salas de cinema, saindo diretamente em DVD. Uma pena porque bastante intimista (a despeito das desconcertantes cenas de segregação racial explícita), deve funcionar ainda melhor em tela grande (como tivemos oportunidade de assisti-lo no Festival do Rio 2016).
O título original “Loving” não quer dizer apenas "terno" ou “amoroso", pois é o sobrenome de Richard, um homem branco que cometeu o "crime" de casar com Mildred, uma jovem preta no ano de 1958, no Estado de Virginia, onde isso era absolutamente ilegal. Richard foi a Washington, onde casamento inter-racial não era crime, para casar com a mulher que amava. Mas as leis são diferentes em diferentes estados dos Estados Unidos, e foi assim que o casamento - legal em Washington - transformou-se em crime e uma enorme dor de cabeça para todos os envolvidos, direta e indiretamente.
“É a lei de Deus: canários com canários, pardais com pardais. Se o Senhor quisesse que todos se misturassem não os faria assim, diferentes” – é com esta analogia de pretensa base “religiosa”, mas que não passa de um sofisma estúpido e absurdo, que as leis de discriminação racial e interdição a casamentos inter-raciais eram "justificadas" no imaginário dos racistas norteamericanos - o que nos soa asquerosamente repulsivo.
Mas a narrativa de Nichols está longe de fazer discursos irados ou mesmo explícitos: não usa de proselitismo e transcorre pausadamente, com a mesma delicadeza com que a excelente atriz Ruth Negga, nascida na Etiópia e criada na Irlanda, desenvolve sua personagem, evoluindo de uma enorme timidez para a compreensão mais acurada do significado mais amplo de tudo aquilo que sua vida vai acumulando. Um belíssimo desempenho que mereceria o Oscar deste ano e muitos prêmios mais significativos. Ao todo, o filme recebeu até agora 22 prêmios, tendo tido 48 indicações. Joel Edgerton compõe o personagem masculino principal como alguém que permanece mais simplório em meio aos sofrimentos que lhe são impostos, ainda que firme em suas decisões e sempre amoroso com sua mulher.
A trilha musical não invasiva de David Wingo e a fotografia sensível de Adam Stone, parceiros habituais em filmes de Nichols, servem bem à escolha que o diretor fez de apresentar sua história sem ênfases melodramáticas na dramaturgia ou mão pesada em maniqueísmos, afinal desnecessários: a história, baseada em fatos reais, fala por si só. Um filme imperdível que merece ser conhecido do jeito que for: cinema, DVD, TV...