O passado volta com força em Irma Vap – O Retorno e Boleiros 2 – Vencedores e Vencidos. Ambos são retomadas de sucessos anteriores, em nova chave. Para Carla Camurati, retornar a Irma Vap é revisitar o início de sua carreira de diretora, quando ela dirigiu o curta Bastidores nas coxias do espetáculo recordista de bilheteria no teatro brasileiro. Para Ugo Giorgetti, os novos causos vividos entre boleiros paulistas é uma maneira de reatar com o momento mais bem-sucedido de sua filmografia. Cada um a seu modo, eles olham para “o” passado e para o seu próprio passado.
A diferença mais importante, contudo, está na maneira como Carla e Ugo encaram o presente. Em Boleiros 2, a oposição dramática entre os dois tempos se estabelece desde a primeira cena, quando Naldinho (Flávio Migliaccio) entra no bar reformado, leia-se clean e triste. Giorgetti (63 anos) identifica-se claramente com os veteranos ancorados à mesa do bar, cercados por fotografias de velhos craques e nostálgicos de uma época em que futebol rimava mais com afetividade do que com lucratividade. Entre as fotos preto-e-branco agora destaca-se o grande poster colorido de Marquinhos, craque da seleção vendido para o futebol italiano e representante da nova ordem no mundo do sport-business. Marquinhos agora é sócio do bar. O bar, no dizer de Naldinho, ficou “uma merda”.
Giorgetti trabalha a idéia de retorno em vários níveis, a começar pelos flashbacks narrados por um cronista em seu notebook. Há o reaparecimento de um velho jogador esquecido por todos. Há o breve retorno de Marquinhos para o assédio das Marias-chuteiras. E há, é claro, a reescalação de boa parte do elenco do primeiro filme, somado agora a Luiz Carlos Feijão. Quando craque-mirim, Feijão fez sucesso ao interpretar o jovem Pelé num filme de Carlos Hugo Christensen e ganhou destaque no documentário Subterrâneos do Futebol, de Maurice Capovilla.
A crítica à modernidade perpassa várias instâncias de Boleiros 2, sem firmar uma argumentação consistente. O filme não repete a mesma qualidade de escritura do opus 1, perdendo-se com freqüência na desestruturação e na falta de liga entre as diversas vertentes narrativas. É claro que sempre vale a pena esperar pelos solos de Otávio Augusto e Lima Duarte, mas a impressão é de que Giorgetti vive na pele a melancolia de seus velhos jogadores: pelo menos no que toca a Boleiros, o passado já foi melhor.
Enquanto isso, Carla Camurati surfa com mais desenvoltura nos qüiproquós de Irma Vap. O retorno ao clássico besteirol de Charles Ludlam não é atravessado por nenhum ressentimento. Em vez disso, o filme reinventa o conteúdo de comédia gótica da peça, atualizando-o com um pastiche (não muito bem explicado, é verdade) de O Que Terá Acontecido a Baby Jane. Assim, as personagens renascem com teor semelhante de vivacidade e tornam o presente tão efusivo quanto o passado.
Naturalmente, trata-se aqui de investir no humor performático – e Carla confirma sua inclinação para o gênero. Talvez por não temer os limiares do grotesco, não há diretor brasileiro mais dotado para o ritmo e as curvas da comédia do que Carla. E basta ver que a graça de Irma Vap – O Retorno não se esgota na exuberância de Marco Nanini e Ney Latorraca, mas se estende aos demais atores, à pontuação da trilha sonora e à manipulação de uma “carpintaria” cênica e cinematográfica sugestiva. A intertextualidade potencializa o efeito dos diálogos e aproxima as duas épocas numa confusão ora apenas caricata, ora de fato hilariante.
Curiosamente, o filme perde fôlego justo no clímax, a partir da apresentação da remontagem da peça. Quando a meta é alcançada e o passado parece finalmente se reinstalar, vem a impressão de que o presente era bem mais convidativo. Mistérios que a brincadeira com o tempo pode suscitar...
# IRMA VAP – O RETORNO
Brasil, 2006
Direção e produção: CARLA CAMURATI
Roteiro: CARLA CAMURATI, MELANIE DIMANTAS, ADRIANA FALCÃO
Fotografia: LAURO ESCOREL
Montagem: PEDRO AMORIM, RICARDO MEHEDFF
Música: GUTO GRAÇA MELO
Direção de arte: MARCOS FLAKSMAN, MUTI RANDOLPH
Figurinos: CAO ALBUQUERQUE, MARILIA BRITTO
Som: VALÉRIA FERRO
Elenco: MARCO NANINI, NEY LATORRACA, THIAGO FRAGOSO, FERNANDO CARUSO, MARCOS CARUSO, LEANDRO HASSUM
Duração: 80 minutos
# BOLEIROS 2 – VENCEDORES E VENCIDOS
Brasil, 2006
Direção e roteiro: UGO GIORGETTI
Fotografia: PEDRO PABLO LAZZARINI, A.B.C e RODOLFO SANCHEZ, A.B.C.
Montagem: MARC DE ROSSI
Música: MAURO GIORGETTI
Elenco: FLAVIO MIGLIACCIO, DENISE FRAGA, CÁSSIO GABUS MENDES, OTÁVIO AUGUSTO, ADRIANO STUART, LIMA DUARTE, SILVIO LUIZ, PAULO MIKLOS
Duração: 86 minutos
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