Na segunda feira dia 05 de fevereiro de 2018, corri muito, muito mesmo, mas não cheguei a tempo da sessão das 15:30 h de “Corra!” constante da grade da mostra “Os Melhores Filmes do Ano – 2017” no CCBB Rio.
Habituada a frequentar o evento, que é uma parceria anual da ACCRJ (Associação dos Críticos de Cinema do Rio de Janeiro) com o CCBB Rio, não calculei que um forte candidato ao Oscar poderia vir a ter, como teve, uma sala já com lotação esgotada tão cedo em relação ao calendário da premiação (dia 25 de fevereiro, o Oscar esse ano). Conformada, assisti a “Moonlight” e fiquei para o debate com os críticos Luiz Fernando Gallego e Marcelo Janot, além de um convidado especial para a mesa: o roteirista Marton Olympio. Dentre as diversas questões abordadas a ver com os dois filmes, semelhantes apenas à questão do preconceito racial com relação aos negros americanos, uma bola levantada pela mesa dizia respeito à diferença gritante nas reações das plateias brasileira e americana diante de filmes mais mobilizadores pela ação como “Corra!”.
Nos Estados Unidos, é hábito das plateias aplaudirem em “cena aberta”, como se estivessem no teatro, bem como gritarem palavras de incentivo ao protagonista ou xingarem o vilão da trama. Como se não bastasse ter perdido a sessão de “Corra!”, a mesa não poupou o público que não o havia assistido de spoilers que contavam toda a história e até além. Compreensível e perdoável; afinal, quem vai a um debate supostamente fez seu dever de casa – assistir aos filmes.
Para alegria geral, uma sessão extra de “Corra!”, às 14:00h, foi anunciada para o dia 07 de fevereiro. Lição aprendida, saí bem mais cedo de casa e consegui minha preciosa senha. Aberta a sala, escolho meu lugar favorito e, ao mesmo tempo, sinto um estranhamento com relação à maioria esmagadora da plateia: um grupo de aproximadamente 40 crianças e adolescentes, algumas acompanhadas de pessoas da família, entravam aos berros de alegria e histeria (a maioria esmagadora era de mulheres, de todas as faixas etárias) por estarem num cinema. Um bebê de poucos meses no colo de uma jovem fazia parte do animado grupo.
Consegui perceber que se tratava de algo ligado a alguma instituição de ensino público, mas meu interesse no filme era maior, e confesso que aquela zoeira me incomodou naquele quase início de sessão. Sabedora do teor terrorífico/sanguinário/escatológico do filme, perguntei à moça ao meu lado se sabiam que era um filme de terror, e ela disse que sim. Mas nem todos sabiam disso, e quando aquele simpático MC da sala I do CCBB foi apresentar o filme, ao dizer que era um “filme de terror”, a maioria gritou em coro “Terror?! Socorro!! Ai, meu Deus!!”. Mas o moço aliviou a barra e explicou que era mais um suspense, um terror psicológico (ah, tá; vão nessa, pensei com meus botões). O bebê chorava, as mais velhas gritavam para as mais novas “Deixa de frescura e presta atenção no filme!”.
Só sei que, superado o susto com o “filme de terror” e um certo desânimo inicial com as legendas, todos entraram no climão da trama e compraram a parada de Chris, o herói negro sequestrado para ser leiloado e transformado em zumbi num ritual macabro levado a cabo por uma família branca e seus amigos membros de uma sociedade secreta num subúrbio chique de Nova Iorque. Daí em diante, tive que aguçar meus sentidos para absorver a trama rocambolesca porém coerente e consistente e as manifestações de uma plateia quase tão negra quanto Chris e seu fiel amigo “tira” do Aeroporto.
Em alguns momentos, todos mandavam os outros calarem a boca: “Shhhh!” Neca. Eu mesma desisti e embarquei na da galera. Como eu já sabia o que vinha pela frente, passei a curtir a acuidade da plateia: “Ela tá hipnotizando ele!” / “O irmão da Rose é maluco.” / “Essa família toda é do mal!” / “Os outros também são zumbis!” / “Ele vai fazer alguma alguma coisa com esses fiapos!” / “Quebra a xícara dessa piranha, Chris!” / “Essa Rose não vale nada.” / Corre, Chris, Corre!!” ... Até a redenção final, com aplausos calorosos à aparição do amigo de fé, irmão camarada de Chris, da Polícia do Aeroporto – aquela que vai fundo e faz. "Aquela" que eles, alunos da Vila Olímpica Carlos Carvalho do Complexo do Alemão gostariam de conhecer mais de perto.
Afinal de contas, na atual conjuntura, em especial aqui no Rio de Janeiro, finais felizes para os negros, em especial, são bem-vindos. No que depender dessa seleta plateia e da iniciativa das professoras Michele e Maria da Penha, a convite do CCBB Rio para tão mobilizadora sessão, “Corra!” já ganhou todas as estatuetas às quais é indicado.