Em 23 de abril de 1985 a manchete de primeira página do Jornal do Brasil estampa: “as massas que se despediram de Tancredo foram mais numerosas do que as que, em 1954, deram adeus a Getúlio Vargas”. Guardadas as devidas proporções, nunca se viu em Brasília o Eixo Monumental com tanta gente após a passagem do cortejo. O afluxo de pessoas às ruas, mostra em que medida sua morte abalou o país. Um drama acompanhado com apreensão por todos os brasileiros.
O filme O Paciente - o caso Tancredo Neves, de Sérgio Rezende, tem o mérito de nos relançar neste episódio marcante, e procura esmiuçar esses dias aos olhos dos boletins médicos publicados pelo pesquisador e médico espanhol Luís Mir que, passados 25 anos do acontecimento, teve o tempo e distância suficientes para conseguir o consentimento de toda família. Naquele ano de 2010, Tancredo completaria 100 anos. Não passou dos 75, quando sua trajetória política foi interrompida numa sucessão de equívocos médicos e indecisões familiares. Mesmo vítima, não podemos deixar de lembrar que o próprio paciente escondeu seu quadro clínico: tomava antibióticos escondido, ministrado por um farmacêutico de São João del-Rei para mascarar sua dor contínua.
Quando desvendamos os detalhes da gravidade de seu problema, o sentimento que sobressai não é o de pena, mas de raiva misturada com indignação. Se seu projeto de governar o país era algo tão grandioso, por que o eleito presidente não se tratou de forma adequada no tempo necessário para garantir sua atuação, ao menos, ao longo do mandato? No entanto, o que vemos nesta obra, descrita pelos produtores como um “thriller médico”, é uma ideia fixa de um futuro presidente e todos que o cercam para garantir o momento da posse, a tão almejada faixa presidencial. Uma vaidade que se derrama em tudo e todos. Quase um certo deslumbramento. Frases de efeito são evocadas citando Napoleão e Lincoln. Quando o personagem de Tancredo (Othon Bastos) fala num dado momento: “eu não merecia isso”, temos a impressão de que este é um enigma sem resposta.
Habituado a retratar protagonistas fortes: Barão de Mauá, Zuzu Angel, Lamarca, Tenório Cavalcante; o diretor tem sua narrativa enfraquecida pela opção de utilizar uma linguagem televisiva. A fotografia de Nonato Estrela abusa de filtro em tom sépia que ressente a iodo. A adaptação de Gustavo Lipsztein expõe situações absurdas, tais como a do tempo de duração estendida de uma das operações - apenas por conta de não ter um fio de sutura específico e irrelevante diante de tantas lacunas. Cenas como o da impossibilidade de realizar um exame de rotina, pois não havia um técnico de plantão, mesmo estando ali um futuro presidente, ratifica o incômodo. Um Hospital de Base que não oferecia o básico.
A cena que aguardamos com expectativa é a da encenação da foto feita por Gervásio Baptista (11 dias transcorridos da internação) que, na longa via-crúcis, foi a imagem icônica que ficou do período, por ter sido a única. Algo inimaginável nesses tempos digitais. Pensar que o fotógrafo teve que se deslocar do Instituto do Coração em São Paulo até a Polícia Federal, apenas para revelar o filme e ampliar a foto em papel para ser distribuída na coletiva de imprensa; não resisti em tempos de Instagram e redes sociais. Mesmo as narrativas desencontradas que vazavam vez por outra, se mostram ínfimas diante da avalanche de informações que nos soterram a todo instante, onde até as Fake news não causam mais sobressaltos.
Enterrado no dia de Tiradentes, o atestado de óbito dizia que a morte foi por causa de falência de múltiplos órgãos, em decorrência de um processo de septicemia (infecção generalizada) que se desenvolveu a partir de um leiomioma (tumor benigno) no intestino delgado, parece um quebra-cabeças que começou com uma suspeita de apendicite e, assistir ao filme, não ajuda a apaziguar todo o mal-estar decorrente desta traumática passagem na vida política brasileira.