No Festival do Rio 2018 o diretor francês Olivier Assayas apresentou este seu mais recente filme esbanjando jovialidade e desapego pelas barreiras nacionais começando sua fala em inglês, já que tem consciência de que a língua francesa tem menos repercussão global. Ou seja, um homem antenado com o seu tempo. Este desapego se reflete nesta nova obra, Vidas Duplas, na qual vemos um editor se questionar sobre a manutenção do impresso num mundo cada vez mais digital.
Como fio condutor temos um escritor que usa sua subjetividade como elemento narrativo e, por conta disso, incomoda muita gente por ser demasiado humano com suas falhas e constante demanda. Seu romance se intitula “Ponto Final”, uma provocação inserida no título de forma astuta, já que ele não pretende parar suas narrativas indiscretas com esta obra, e uma brincadeira com o mundo digital que aboliu o ponto final das sentenças, haja visto ser interpretado como um sinal de interrupção no diálogo por parte de quem o usa.
A linguagem, que no seu uso social está sempre adquirindo novas formas de se fazer reinventar, assim como o filme, apresenta a necessidade de estarmos o tempo todo nos reciclando para não sermos superados pela inércia.
E neste diálogo, o editor parisiense de sucesso, para continuar na crista se acopla a uma jovem editora que lhe dá consultoria de como se adaptar a estas novas ferramentas. E daí em diante, o filme apresenta um enredo de gato e rato onde cada um é o caçador e é caçado. Num embate inteligente que ratifica sua habilidade como roteirista – assim iniciou sua carreira antes de se tornar diretor -, apresenta seu filme como essencialmente francês: “uma obra sustentada numa autêntica bavarde”, segundo suas próprias palavras.
Em seu filme anterior, Personal Shopper (2016), o cineasta encarna esta nova modalidade profissional através da atriz Kristen Stewart e se aproxima da atualidade questionando a sociedade de consumo e o culto à aparência: onde ter é mais importante que ser e a ganância tributada ao fazer tudo por dinheiro; a falta de escrúpulos. Seus temas são recorrentes: reflexões entorno do que seja a produção artística, o mundo do trabalho, noções de cumplicidade e fidelidade ao outro, assim como o respeito pela privacidade de cada um. Em Horas de Verão (2008), Juliette Binoche é a filha distante da mãe que mora em Nova York e, como designer, questiona o quanto os objetos estão ou não imbuídos de seu valor afetivo na medida que se afastam de seu dono original. Em Acima das Nuvens (2014), vemos estas suas duas atrizes coringas, que se revezam nos últimos anos, interagindo e trocando de papéis numa relação quase simbiótica. Um jogo no qual o espectador é instigado a perceber o tempo todo onde está o personagem e seu duplo.
Em Vidas Duplas (2018), indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza e ao People’s Choice Award, no Festival de Toronto, voltamos à atriz Juliette Binoche, agora interpretando o papel da personagem Selena, uma famosa atriz de teatro e esposa de Alain (o editor), invocando a si mesma como indivíduo que necessita preservar seu espaço privado. O faz enquanto atriz na vida real e na ficção. Ilusão e realidade se fundindo. Cultura e instinto interagindo no jogo de esgrima onde todos querem tocar sem serem atingidos, merecendo cada um, a seu modo, o direito de dizer: touché!