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O Uruguai é o segundo menor país da América do Sul, no entanto, chama uma atenção e tanto. A começar pelo folclórico presidente José Mujica, que andava de fusquinha e pregava, com seu jeito adocicado de ser, a tolerância generalizada. Eles liberam a produção, consumo e venda da cannabis – apenas aos comprovadamente habitantes -, e são pioneiros no hemisfério na oficialização de casamentos homoafetivos, permite o aborto com acompanhamento psicológico durante o processo, respeito aos transsexuais & otras cositas mas.
É um país de vanguarda, como anuncia o título do filme (Uruguai na Vanguarda, 2019), só que a forma escolhida para compor a obra, não acompanha o clima. A câmera vai para as calles ouvir os jovens, e onde antes eles tinham que penetrar em zonas clandestinas para adquirir a mercadoria; agora dispõem de lojas de rua e sentem-se seguros para consumir sem correr risco de vida. É um argumento forte e que deve ser defendido com propriedade. Mas aí eu me pergunto: "E os pais desses adolescentes? O que eles pensam?". Portanto, ouvir o outro lado, discordante ou não, sempre enriquece: uma ausência sentida.
Vemos e ouvimos uma série de depoimentos com “especialistas” que falam com um tom de discurso acadêmico, enumerando os pontos como se estivessem dando uma aula ou preenchendo um relatório: “número um isso, número dois aqui, número três etc e tal”. E é sempre um mesmo discurso alinhado, que por ser monocromático, o torna enfadonho e parecer mais longo do que é. Todos sentados atrás de uma mesa: mais professoral impossível.
A La Rambla em Montevidéu, onde se concentra o documentário, oferece uma plêiade de atrações, mas nem assim consegue disfarçar o conflito que atravessa a questão de raça e miscigenação, que é a base da formação das Américas. A presença dos negros é recalcada por parte da população. Reagem se fazendo ouvir através dos tambores e atabaques que dão forma ao estilo musical conhecido como Candombe que, nos últimos 200 anos, tem um papel preponderante no fortalecimento da autoestima desta parcela da população. E é aí que se concentra o ponto alto do trabalho do diretor Marco Antonio Pereira.
Nos deleitamos como espectadores na cena de um avô e sua neta quando ela, em seu inocente molejo, deixa seu corpo se encantar ao som do tambor e atabaque. Não há quem resista abrir um sorriso e se contagiar pelo reconhecimento de que sua arma de resistência tem como munição o som extraído de um instrumento composto por madeira e pele. E conhecer a história do cortiço Médio Mundo no Bairro Sur - onde seus moradores foram despejados pela ditadura em 1978 - ajuda a entender o porquê de a palavra hipocrisia pipocar aqui e ali durante toda projeção.
São muitos protestos e passeatas. Há humor e ironia. As reformas do battlismo na primeira metade do século XX, fortalece o estado laico e alavanca uma sociedade mais libertária. Tanto que por lá, a Semana Santa é conhecida como Semana do Turismo – onde todos aproveitam para viajar ou hospedar. Uma sociedade dinâmica e progressista que se apresenta como a Suíça da América do Sul.
Em seu primeiro trabalho, “Paisagem Carioca” (2013), o diretor se utiliza do ponto de vista de quem é/está no morro para abordar o tema. Ali encontramos um recorte mais definido do que se vai assistir. O mesmo não se pode dizer deste último. A impressão que se tem é que a vontade de abraçar muitos assuntos diferentes acabou tornando a execução um tanto confusa, com passagens de som e montagem em alguns momentos deficientes e quase um filme proselitismo. Vale ouvir os tambores e atabaques que tornam a milonga e o candombe um estilo e marca de um país extravagante
Marcia Vitari é jornalista, mestre em comunicação & cultura e realizou para o canal GloboNews o documentário “Pedregulho: um ícone da arquitetura moderna” (2019), onde se discute o assunto habitação popular de qualidade.