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UMA MULHER SOB INFLUÊNCIA

04.04.2007
Por Rogério Skylab
UMA MULHER SOB INFLUÊNCIA

Na década de 70, não foram poucos os filmes que de uma certa forma colocavam em cheque a antiga psiquiatria, com o seu método de isolamento do paciente e o tratamento a base de eletro-choque. Talvez um dos mais característicos seja Estranho no Ninho, de Milos Forman.



Uma Mulher Sob Influência, de John Cassavetes, produção americana de 1974 e indicado ao Oscar na categoria de Melhor Direção, também é fruto da mesma abordagem, mas com uma ressalva: não se trata aqui de uma narrativa linear. O olho da câmera funciona sob a mesma perspectiva da protogonista. Os objetos são filmados sem distanciamento, o que nos impede que possamos vê-los inseridos num conjunto.



Daí porque pouco importa o roteiro. Estamos diante de um filme cuja experimentação de linguagem o faz alinhado a tantos outros colocados à margem pela indústria. As múltiplas expressões faciais de Gena Rowlands, trazendo-nos de volta a estética expressionista, dentro de um contexto em que as palavras perderam a importância que sempre lhes fora reservada... e a sensação de que todos sem exceção provocam algum estranhamento por extensão ao que ocorre em Mabel, fazem-nos diante de uma obra fechada em torno de seu personagem principal.



Ali está o centro de tudo, do qual nem mesmo a câmera consegue se distanciar. Todavia, às múltiplas máscaras de Rowlands, contraposta à ausência delas em Peter Falk, nos dão a impressão de que funcionam descoladas de seu substrato. Como se a superfície não guardasse vínculo ao que passasse em camadas mais profundas, ou, como se a multiplicação das expressões fosse o reverso de seu vazio. É esse excesso que nos leva à desconfiança da representação, o que pode levar o espectador a um certo incômodo.



Considerado um diretor que fazia do improviso dos atores uma marca de sua estética, o que não significa que a estrutura interna do filme tivesse mão frouxa, talvez a analogia que possamos fazer entre Cassavetes e o nosso cinema esteja mesmo em Glauber Rocha.



As quase três horas de duração, de uma representação por excelência anti-naturalista, fugindo ao que viria predominar na história do cinema, chega ao mercado nacional como uma bênção. Justo agora em que, nunca como antes, nosso cinema se mostra tão empenhado em produções cada vez mais alinhadas com o quem vem sendo produzido no mercado.



A cena das crianças descendo as escadas em direção à mãe, do pai retornando-as para o quarto, e delas novamente retornando à mãe. Do pai retornando-as para o quarto e delas novamente descendo as escadas em direção à mãe... talvez não digam nada em si, a não ser uma estranha teimosia que muito explica do filme. A insistência em filmar os detalhes, abstraídos do conjunto, longe de qualquer totalização, dará ênfase a movimentos repetitivos e de anti-representação. Da mesma forma como Tarcísio Meira, por um processo de montagem, repete várias vezes a mesma cena em A Idade da Terra, aqui essa mesma repetição sublinha as palavras do marido à esposa, após seu retorno: seja você mesma.





ROGERIO SKYLAB é músico

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