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EROTISMO SEM COMPROMISSO

09.04.2007
Por Dinara Guimarães
EROTISMO SEM COMPROMISSO

O sexo no filme chileno Na Cama (En la Cama), de Matias Bize, não é só audiovisual como sugere na abertura, mas uma alternância de diálogos às cenas eróticas, entre uma transa e outra do jovem casal de desconhecidos durante uma noitada em um quarto de motel, enquanto parece ir desenvolvendo-se um relacionamento amoroso entre os dois parceiros. Evoca ao mesmo tempo, a representação do ato sexual que nada tem a ver com a ilusão do desejo, mas apenas com a hiper-realidade das imagens como no filme pornográfico, já que nele nada resta por desejar.



No entanto, não vai fundo na relação entre erotismo, sexo e o esgotamento do desejo, de uma forma que seja tanto ou mais audaciosa do que O Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima, considerado um dos fundadores do Cinema Novo japonês. O impacto junto ao público estrangeiro de Ai no korrida, (Corrida (tourada) do amor), título no original, vem, sobretudo, de seu uso da linguagem pornográfica. Não fica na mera ilustração do sexo, nem é só excitação sexual e o personagem morre no final, o que não acontece em nenhum filme pornô. Ele se serve da linguagem pornográfica e vai além. Considerada uma obra-mestra da filmografia erótica, continua hoje, 30 anos depois de ser lançado na França em 1976, a surpreender. Daí que não resisto à tentação de contrapor as duas obras.



Os casais, em ambos os filmes, estão engaiolados, no caso de O Império dos Sentidos, Kichizo Ishida (Tatsuya Fuji) e Sada Abe (Eiko Matsuda), em uma hospedaria no Japão pré-guerra e Na Cama, Daniela (Blanca Lewin) e Bruno (Gonzalo Valenzuela), em um quarto de motel em Santiago do Chile, com nenhuma abertura para o exterior, mas a sua intimidade está exposta à disposição do olhar do voyeurismo do espectador, ora pela possibilidade de tocar os corpos nus com os olhos, ora ainda por meio da câmera instalada no quarto do motel para filmá-los. Pelo abandono ao encanto do desconhecido, acontece o encontro em que tudo se passa aqui e agora, tudo é temporário, é o instante e como tal, volátil. E mais, a mulher parece uma perigosa fascinação.



Mas há uma distinção importante entre os filmes. O oriental é radical na medida que leva o jogo erótico entre os parceiros até o esgotamento que chega a existência humana, tem uma repetição que não se esgota, tem uma obsessão em consumir este encontro dos dois, engaiolados, dominados até o extremo, de modo a Kichizo, no excesso da possessibilidade, deixar-se levar por Sada. E aí ele entra em uma canoa furada. Ela enforca o amante com um laço, para irem até ao fim do êxtase, em cujo prazer eles perdem-se, sem se colocarem o limite imediato: o horror.



No filme ocidental com protagonistas latino-americanos, belos, malhados, a relação apresenta todos esses elementos de agressividade e sexualidade, da oposição dos dois termos inconciliáveis que são o interdito e a transgressão, mas não tem como composição um argumento contundente, é simples e leve. Assim, suponho que no jogo erótico dos parceiros com o desnudamento de seus segredos, já despidos de suas roupas e de sua identidade, cheguem até uma fusão semelhante ao vai e vem das ondas que se penetram e se perdem umas nas outras, do “erotismo dos corpos”, segundo Georges Bataille, e cujo prolongamento é o “erotismo dos corações”.



Nesse jogo erótico pela sedução, nunca se chega a descobrir se o que um parceiro confidencia ao outro é verdade ou inventa mentira, como é, por exemplo, o casamento marcado de Daniela com seu noivo violento e o namoro em crise de Bruno, mas importa menos saber da realidade que viver a ilusão do desejo. Dessa forma, o erotismo não está conectado com o interdito que se opõe à liberdade da atividade erótica, ou seja, o interdito no nascedouro do erotismo, nem com a vida e a fascinação da morte já vista no Império dos Sentidos. Portanto, creio que dá um passo para trás e parece que carrega o indício de uma tendência que pode se impor no cinema moderno de se adaptar ao modo de vida, deixa como está para ver como é que fica, no mundo sem compromisso de hoje.





DINARA G. MACHADO GUIMARÃES é Psicanalista e autora de Voz na Luz: Psicanálise e Cinema, Rio de Janeiro: Garamond, 2004; Vazio Iluminado: o olhar dos olhares. Rio de Janeiro: Garamond, 2004 (2a.ed.)

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