O espetacular sucesso editorial, em pouco tempo, de Léa (Bérénice Bejo), em escrever um romance best-seller, a torna rival de Karine (Florence Floresti) e de Francis (François Damiens). Situado fora do locus da ficção literária, o rápido sucesso é porque ela escreve sobre o perfil de frequentadores do shopping center onde trabalha como vendedora em boutiques de vestidos femininos. Um mundo povoado por aqueles que veem seus corpos como acessórios da moda mais do que como fundamentados em seus seres.
O perfil da narrativa imaginária é de um filme de autoajuda, semelhante aos livros de autoajuda que afogam livrarias de toda parte do mundo. Psicologiza a rivalidade dos protagonistas, amigos e familiares, em busca do sucesso, acompanhando o triunfo de Léa em se tornar escritora, mesmo sendo uma vendedora fora do mercado editorial, enquanto Karine termina sendo vencedora de maratona de corrida, mesmo sem ser desportiva.
O processo de rivalidade termina na redenção final do brinde ao sucesso do título do filme, no qual toda ameaça de conflito entre os cônjuges e os casais de amigos é desarmada, a fim de proteger esse foco de conflitos potenciais e reais pelo efeito colateral irremediavelmente trágico próprio a todo ato humano.
O ponto central é o da ideologia liberal, segundo destaca Slavoj Zizek em ”O amor impiedoso (ou Sobre a crença)”: a liberdade de escolha, fundamentada na noção de sujeito psicológico dotado de propriedades que se empenha em realizar.
Assim sendo, os triunfos que levam os protagonistas a vencer na vida as adversidades, em tornar os obstáculos oportunidades, dependem da atitude negativista deles, alheados completamente da realidade envolvente. Tudo se centra no plano subjetivo do drama que se desenrola na instância mental da atitude assumida, da motivação dela.
Por isso, os atuais livros e filmes de autoajuda são, afinal, comparáveis aos modernos “manuais de conduta sociopolítica” do tempo presente que talvez nos remetam ao imperativo kantiano, “você pode porque você deve”, e não o inverso, “você não pode porque não deve”, abundante hoje na atitude negativista de que a compreensão interior se opõe à explicação formal externa. Tais como: se deve desconsiderar o saber científico, se deve livrar do corpo genético biológico, se deve consumir para preencher faltas, se deve normatizar a transgressão, e assim por diante.
*Dinara Gouveia Machado Guimarães é autora dos livros sobre Psicanálise e Cinema: "Vazio Iluminado: o olhar dos olhares" (Ed. Garamond), "Voz na luz" (Ed. Garamond), "Escuta do desejo" (Cia de Freud). e "La voix dans la lumière - Essais sur le cinéma et la psychanalyse" (Ed.Amazon).