Após uma infância conturbada e marcada pela marginalização devido à sua aparência excêntrica — mais especificamente, sua pele completamente verde —, Elphaba (interpretada por Cynthia Erivo) encontra na Universidade de Shiz a oportunidade de desenvolver seu talento mágico e, assim, controlá-lo quando se manifesta, especialmente, devido ao seu destemperamento. Logo ao chegar à universidade, conhece a jovem Galinda (interpretada por Ariana Grande), que se torna um grande desafio para ela. Acostumada a ser o centro de atenções negativas, Elphaba aparenta ter uma personalidade forte e inabalável. Por outro lado, Galinda, conseguindo sempre tudo o que almeja, inclusive as atenções positivas, busca reforçar a ideia de que suas ações nunca são motivadas por interesse próprio, mas sim pelo desejo de ajudar os outros.
O longa Wicked (2024), com uma continuação já planejada, remonta ao interesse do cineasta Jon M. Chu pela dança como ferramenta para contar histórias. Além de ter dirigido o segundo e o terceiro Ela dança, eu danço, ele também esteve à frente de Em um bairro de Nova Iorque (2021), sua primeira adaptação de um musical da Broadway.
Seu novo musical é baseado no espetáculo de fantasia homônimo, que estreou na Broadway em 2003 e foi premiado com Tony Awards e um Grammy. A obra teatral, por sua vez, é inspirada no livro de Gregory Maguire, que reimagina o universo de O mágico de Oz antes da chegada de Dorothy.
Já a adaptação para o cinema, que concorre a dez categorias no Oscar, conta com o talento de Erivo para uma atuação dramática, porém sutil, que revela, com um simples olhar, as angústias de Elphaba, sua constante autoafirmação para se manter fiel a seus princípios e também seus instantes de alegria e poder. Com uma voz potente, capaz de conferir novos tons à dor de sua personagem, de personalidade soturna e defensiva, ela se contrapõe perfeitamente aos caprichos de Galinda, garantindo à trama momentos de comicidade cada vez que as duas se chocam.
Os números musicais de Erivo e Grande, que no início da trama pouco se entendem, permitem, no contraste de suas personalidades, que o público enxergue a possibilidade de uma grande amizade. Assim, na cena do baile no OzDust Ballroom, após grande ostracismo, Galinda resgata socialmente Elphaba — um ato que remete à clássica cena colegial em que uma mão caridosa se estende para a mocinha desajustada. No entanto, mais do que isso, no musical, o completo silêncio durante o número de dança confere sobriedade à construção dos laços entre as colegas. A coreografia estabelece a cumplicidade entre as personagens de forma singela.
Embora muitos desses números musicais explorem pouco o cenário, em Dancing Through Life, o espaço é um ponto-chave da dança e responsável por envolver todos os elementos em cena de forma muito interessante, tornando-se parte ativa da coreografia. Mesmo contando com grandiosas empreitadas, como as nove milhões de tulipas plantadas, os ambientes exteriores guardam uma aura de magia plastificada e pouco eloquente, amplificada pelas cores bem contidas e pálidas, que tornam o filme um pouco mais mundano.
Wicked é o gabarito das principais técnicas narrativas, combinadas de um jeito tão previsível e ajustado que nem deixam margem para que o público questione para onde a trama se encaminha. O filme se inicia com o falso começo, juntamente com o in media res (no meio das coisas), na já conhecida abertura: “Ela está morta”. Em seguida, volta no tempo para narrar a jornada da Bruxa Má do Oeste. Para o bem ou para o mal, a condução é mesmo “amarrada” e sem nenhum buraco, com bom aproveitamento dos personagens secundários, cada um bem adequado ao seu papel na trama.
* Ana Luiza Rios é estudante da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ).