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DUNA: PARTE 2

De: Denis Villeneuve
Com: Timothée Chalamet, Zendaya, Rebecca Ferguson
28.02.2025
Por Jean Henrique
Um ensaio épico sobre uma herança imperialista e as coordenadas de um messias

Duna: Parte Dois é a nova adaptação que reverbera nas comunidades de aficionados por filmes aventurescos de sci-fi com este aspecto de jornada e descoberta intergalática. A obra, dirigida por Denis Villeneuve e protagonizada por nomes já populares no cinema mainstream, como Timothée Chalamet e Zendaya, acumula um grupo de admiradores que se assemelha com a jornada de Star Wars na consolidação de um clássico do gênero. Não é exagero comparar seu alcance e sua ascensão com o de seu predecessor: narrativamente, Star Wars é inspirado na saga de livros de Duna, de Frank Herbert, e reciprocamente a adaptação acumula semelhanças imagéticas e visuais com a obra de George Lucas.

O filme narra os acontecimentos imediatamente subsequentes ao final de seu antecessor, e um aspecto interessante da obra está em observar como Villeneuve já amadurece a sua percepção sobre os espectadores e evita mastigar os elementos que compõem a odisseia de Paul Atreides. Agora, em decorrência de uma conspiração diplomática, todo o clã dos Atreides foi dizimado, restando apenas Paul e sua mãe, grávida, Jessica. Ambos membros de uma família nobre, estavam exilados, em decorrência de uma promessa territorial do Império para Leto (pai de Paul), no planeta desértico de Arrakis, onde a família se instalaria e teria total controle sobre a colheita da “especiaria”, um tipo de alucinógeno presente na areia que permite que o usuário tenha um presságio de explorações interplanetárias e possa guiar as excursões. Como Leto Atreides era um homem que governava com o coração, ele não tinha intenções belicistas nesse mineral, e esse desinteresse fez com que o Império se utilizasse de uma raça megalomaníaca, os Harkonnen, para descartar a atuação do clã Atreides. Jessica e Paul agora estão despidos de sua nobreza, distantes dos muros que os segregavam do povo de Arrakis, os Fremen, e precisam aprender a viver como esse povo, fazendo da areia a sua fonte de vida e da água o seu elemento mais raro.

Os planos iniciais de Duna: Parte Dois
são um embate entre os Harkonnen e os Fedaykin, uma equipe de forças de elite dos Fremen nativos de Arrakis. É possível perceber como Villeneuve utiliza das cores e dos espaços como um aspecto diegético que conduz o espectador nessa montagem inicial. Enquanto os trajes dos Harkonnen são cobertos de uma escuridão sideral, os Fedaykin absorvem o amarelo intenso do sol escaldante e das areias que vestem os guerreiros. Assim, o visual do filme cria uma hierarquia nesse conflito, contemplando como a geografia de Arrakis é estratégica. Os Harkonnen, apesar de suas tecnologias de combate e sua natureza brutal, parecem inofensivos, como se apenas o clima do planeta fosse suficiente para neutralizá-los. Eles não são somente estrangeiros para os Fremen, mas também para o espectador, já que esse estranhamento é exposto em tela: o plano aberto que os apresenta como intrusos confirma que eles não estão lidando apenas com guerreiros, mas com um planeta inteiro de uma vastidão desértica.

Ainda sobre a geografia de Duna, é interessante como a areia denota texturas e profundidades, e essas nuances são mais perceptíveis quando passamos a acompanhar as comunidades Fremen, que desenvolvem técnicas de prever criaturas das areias e reconhecem outras ameaças pelas alterações desses aspectos. Como dito por Liet Kynes, uma personagem marcante do primeiro filme, “o deserto não é gentil com equipamentos”. Essa fala predita as relações enviesadas dos Fremen com seu solo e a limitação de outros povos às dunas, cujas areias convidam potenciais vítimas para a batalha.

Sobre seus méritos discursivos e políticos, a adaptação reproduz o ideal de Frank Herbert quando escreveu os livros: “Nunca confie que líderes estarão sempre certos”. É perceptível o respeito de Villeneuve a esse mantra do autor da ficção. No filme, Paul Atreides se mostra um excelente guerreiro, arma emboscadas contra o extrativismo exploratório dos Harkonnen e começa a preocupar as lideranças do Império com apenas 200 pessoas. Pela sua capacidade de combate e perfil etnográfico, Atreides começa a ser notado pelos Fedaykin, e estes o chamam de Paul Muad’Dib Usul, nome dotado de signos messiânicos, sendo Muad’Dib uma criatura sorrateira do deserto e, mais liturgicamente, “Aquela Estrela do Norte que Aponta o Caminho.” Tal alcunha deixa de ser uma reverência e passa a significar Paul Muad’Dib como uma espécie de messias, associado pelo povo à lenda de um libertador dos Fremen, Lisan Al-Gaib.

A mãe de Paul, uma espécie de oráculo, começa a enxergar no filho os traços para a incorporação de uma entidade antiga que guia os povos em uma guerra santa, e o protagonista se vê encurralado neste dilema de responsabilidades, entre assumir uma posição de predestinação ou permanecer um ativo da luta popular de Arrakis contra a exploração de sua especiaria. Essa dicotomia megalomaníaca toma parte de toda a segunda metade do filme, que expõe todas as dinâmicas de um tirano intrínsecas na persona de um messias, reorganizando as relações de poder desta sociedade vulnerável e fazendo da crença uma arma poderosa contra os próprios espirituosos que necessitam de um simulacro da salvação para darem um sentido efetivo às suas lutas. Não que o ceticismo seja uma resposta eficaz, mas é preciso uma breve reflexão sobre a verdadeira necessidade de uma figura estrangeira como o redentor de um povo. Essa observação retoma uma discussão hereditária que parecia ter morrido junto com Leto Atreides, mas, para suprir as necessidades de seu novo clã, Paul Muad’Dib tem que se posicionar entre herdar o legado de colonialista ecológico que seu pai carregava ao chegar a um planeta pensando em suas riquezas naturais ou admitir que o líder dos Fremen não pode ser catalisado na figura de um estrangeiro. E o guerreiro deve se decidir rápido, pois os Harkonnen já alimentavam, com violência e crueldade, um antídoto personificado para a mitologia que percorre a galáxia.

Por fim, também merece destaque a trilha de Hans Zimmer, que engrandece sonoramente os planos abertos de uma imensidão de corcovas arenosas, tomadas pela cultura de Arrakis, despertando a sensação de que, a qualquer momento, a música pode atingir um pico de aflição, e todo um exército de Fedaykin pode emergir da areia e lotar a tela. Nestas sequências heróicas de coreografias minuciosas, as lutas nas areias de Arrakis parecem uma dança pela subsistência. Para além desse engrandecimento, também há uma contemplação, digna das importações estéticas de épicos como
Lawrence da Arábia, posicionando o constante deslocamento dos Fremen por uma vastidão dos ambientes.

Duna: Parte Dois
é um filme que compreende a política como um exercício de afetos constantes e aborda, com muita personalidade, as nuances de um “líder carismático”, posicionando também o papel da crença em uma sociedade vulnerável e reproduzindo sua mitologia em alguém que simula ser digno de fazer parte dela. A obra converte muito bem os seus conceitos ideológicos em um material paisagístico e vibrante, estabelecendo uma relação dialógica entre o povo do deserto e as infinitas dunas, que cultuam a água em detrimento do sangue e almejam todo o universo em um grão de areia.



* Jean Henrique é estudante da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ).


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Outros comentários
    5382
  • Sophia Moreira
    28.02.2025 às 10:40

    Adorei a crítica e me gerou mais ansiedade para assistir o filme!