Convidados


RETRATO DE WOODY ALLEN, UM

18.03.2012
Por Paulo Lima
PERSONAGEM DE SI MESMO

Um Retrato de Woody Allen (Wild Man Blues), da cineasta americana Barbara Kopple, é uma rara oportunidade para os fãs conhecerem um pouco da intimidade do diretor americano.



O documentário, que acaba de sair no Brasil pela Flashstar Filmes, retrata a turnê que Woody fez em 1996 por 23 países da Europa com sua banda Woody Allen´s Jazz Band, destacando cenas das apresentações e de seus bastidores nas principais cidades, como Paris, Roma, Milão, Veneza e Londres.



Mas o filme não se resume a um mero road doc. Vai além de seu aspecto musical exatamente por expor hábitos e ideias de um dos mais controversos e criativos cineastas da história do cinema.



Acompanhado de sua irmã e da mulher Soon Yi Previn, a ex-enteada que foi pivô do ruidoso rompimento do diretor com Mia Farrow, Woody destila humor inteligente a cada cena, de tal modo que ficamos nos perguntando se não estaríamos diante de mais um de seus filmes.



É como se ele fosse personagem de si mesmo, enxergando a realidade pelas lentes prismáticas do cinema. Uma das cenas do filme mostra Woody e Soon em meio a um romântico passeio de gôndola, cortando um dos canais de Veneza. O barco atinge uma área deserta. Woody observa: o gondoleiro podia matá-los ali mesmo e ninguém ficaria sabendo.



Noutra cena, ele e Soon tomam o café da manhã num quarto de hotel. O serviço é falho e esquecem de servir as torradas incluídas no pedido do casal. Soon questiona se não seria o caso de reclamar. Woody alerta para deixar assim mesmo, pois o garçom é um psicopata que está tendo uma segunda chance.



A cada aparição em locais públicos, Woody recebe o tratamento de pop star, assediado por fãs e paparazzi. São várias as provas de admiração que lhe são devotadas. Num coquetel oferecido pelo prefeito de Veneza, ele é assediado por uma senhora que admite que sempre sonhou em conhecê-lo. Na apresentação da banda em Paris, uma francesa assanhada grita da plateia que gostaria de seguir viagem com ele.



Curiosamente, perante os insights genais de Woody, a exposição de seu lado de músico, que vem a ser o objetivo primeiro do documentário, acaba se revelando algo secundário. O jazz executado por sua banda remete à mais típica tradição de New Orleans, tão “cru”, na definição de um dos integrantes do grupo, que Woody teme não despertar o interesse das plateias. Mas, ao olhar do leigo, Woody parece não decepcionar como clarinetista. Digamos que ele não é exatamente um Benny Goodman, mas, bem, não podemos afirmar que, como músico, ele é um ótimo cineasta. Ao menos dedicação não lhe falta. Ele conta que costuma ensaiar duas horas por dia.



A partir do momento em que ficamos sabendo que Soon Yi Previn é personagem do filme, a nossa curiosidade de voyeurs se ilumina. Bem, há um abismo geracional entre eles. E, convenhamos, Woody Allen atraiu a ira conservadora contra si ao por fim ao seu relacionamento com Mia Farrow para se unir a uma filha adotiva dela com o maestro André Previn. Mesmo num meio em que atitudes bizarras exorbitam, a decisão de Woody assombrou a todos. Como seria, afinal, o relacionamento dos dois? Até onde as lentes de Barbara Kopple puderam captar, Soon não parece intimidada pela fama do marido. Numa cena em que discutem entre si o porquê de o cinema de Woody Allen fazer mais sucesso na Europa do que nos Estados Unidos, Soon chega mesmo a admitir que não viu todos os filmes dele. Ela desfila um humor leve e juvenil, em contraste com o olhar trágico de Woody, e parece se divertir como ninguém com o negócio da turnê.



Ao retornar para Nova York, Woody faz uma visita aos pais. No colóquio familiar que se segue, sua mãe revela que preferia vê-lo casado com uma moça judia em lugar de uma chinesa, para constrangimento da doce Soon Yi Previn, presente ao encontro. Nada seria mais representativo da atitude de uma mãe judaica. E nada seria mais típico de um filme de Woody Allen.



PAULO LIMA é jornalista e editor da revista eletrônica Balaio de Notícias

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário