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SIMULTANEIDADE DA VIDA E DA MORTE

22.10.2012
Por Dinara Guimarães
"Sudoeste", de Eduardo Nunes, desvenda uma visão muito peculiar do ser-para-morte, comprometendo sua identidade com um processo em construção que realiza na vida e que só acaba no momento que ela morre.

O filme Sudoeste, de Eduardo Nunes, é tão belo quanto triste e angustiante. Nele, a vida de Clarice transcorre em um único dia e a identidade dela é a própria estória que está acontecendo. Desde o começo, instaura uma estranheza que perpassa tudo. Parece querer representar o inimaginável, a vida no momento da morte: uma mãe grávida, morta, e o bebê, vivo, é extraído de seu ventre à faca por uma mulher meio-curandeira, meio-bruxa; a vida em um saleiro à beira do lago que está secando, “não tem mais nem sal nem peixe”, o cenário escolhido por ser um vilarejo esquecido no tempo; a metamorfose de Clarice que durante a manhã é uma criança, no início da tarde uma jovem, no final da tarde, uma mulher madura, e, à noite, uma velha senhora. E nesta sua vida de apenas um dia, Clarice relança a estória de cinco pessoas ligadas à sua mãe que morreu e que conservam um segredo em comum: João, um garoto de dez anos que se apaixona por ela ; o pai do menino, um homem rude ; a mãe do menino, uma mulher triste ; Malaquias, um velho pescador, que está à beira da morte; e Conceição, uma prostituta do vilarejo. É um conto tão onírico quanto os personagens que mais parecem sombras no mundo em preto e branco de belas paisagens desérticas, povoadas de silêncios cheios de vento. Prevalece uma voz que não se pode dizer com as palavras. Desde que ela é percebida pelo ouvido ela é transformada em silêncio, sendo esse último um elemento da voz que vai remetê-la ao tempo presente – ou presentificá-la na integração do passado, do presente e do futuro em um aqui e agora, que, para aquele que escuta a voz significa desejo, medo, perplexidade, espanto.

A representação simultânea da vida e da morte, como na expressão filosófica Dasein, heideggeriano, ou seja, “estar no mundo” eterno, perene, é o que sugere o filme de Eduardo Nunes. Ele desvenda uma visão muito peculiar do ser-para-morte, comprometendo sua identidade com um processo em construção que realiza na vida e que só acaba no momento que ela morre. Com seus jogos, de cenários e filosóficos sobre a existência, e os constantes travellings, cria a vertigem do ser ou não ser, da indeterminação do futuro, levando o espectador a encontrar-se com suas incertezas: é a realidade ou minha invenção?

Em vez de suceder, como na tradicional fábula como uma voz moral, os caminhos da culpa, castigo e perdão, oferece ao espectador sequências de imagens, para que ele vá montando a estória. Dessa forma, Nunes apresenta o futuro e o passado de uma forma totalmente indeterminada: o espectador olha para trás e o que ele vê está determinado pelo conjunto de acontecimentos, mas o significado daquilo que foi está em suspenso, porque a cada novo passo, a cada novo elemento, a totalidade da estória de vida da personagem se transforma.



Sudoeste, Brasil, 2011: Simone Spoladore (Clarice), Raquel Bonfante (Clarice criança), Regina Bastos (Clarice mais velha), Dira Paes (Conceição), Mariana Lima (Luzia), Julio Adrião (Sebastião), Everaldo Pontes (Malaquias), Victor Navega Motta (João), Léa Garcia (Dona Iraci).



Dinara G. Machado Guimarães é Psicanalista, Doutora em Comunicação e autora de "Vazio iluminado: o olhar dos olhares" e "Voz na Luz, em Psicanálise e cinema”.

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