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VENTOS DE AGOSTO

02.12.2014
Por Dinara Guimarães
O filme de Gabriel Mascaro é um sonho com contrastes e transcendências

Ventos de agosto, de Gabriel Mascaro, é um sonho com contrastes e transcendências. Focado na experiência onírica com o sonho acordado de Shirley (Dandara de Morais), que, contra a sua vontade, deixou a cidade grande para cuidar de sua avó em uma aldeia de pescadores, mostra como ela não desiste de realizar seu desejo de ser tatuadora. O desejo do sonho, embora censurado, insiste no retorno e na existência irredutível do real com o qual constrói sua realidade. Se não fosse o desejo do seu sonho contrastante com o arcaísmo local, sua vida seria a pura monotonia e repetição dos demais habitantes do vilarejo. Sonho que é o princípio do desejo humano.

Os protagonistas do filme são os habitantes de Porto de Pedras, em Alagoas, definido como “o quarto caminho depois da curva do rio virando à esquerda” . Eles vivem da pesca e da produção de cocos que representa importante fonte de renda na região onde Shirley trabalha dirigindo um trator que carrega os cocos. Em contraste, um antropólogo, pesquisador de ventos, registra o som dos alíseos na Zona de Convergência Intertropical, acarretando as fortes tempestades que assolam a região no mês de agosto, mas parece que não há lugar para seu conhecimento racional em meio à ingenuidade naturalista local.

É nessa ambientação paradisíaca e amedrontadora, que Shirley sonha tatuar pessoas, mas como está impedida faz a tatuagem em um porco. Com essa encenação da fantasia impossível pode experimentar um gozo sexual ligado a uma compulsão de cortar e quando sente o sangue sobre a pele pode recobrar o contacto com a realidade. Tatuar é uma estratégia para despertar. Assim, Mascaro narra o impossível da fantasia e lhe empresta outra face. Ela é, invariavelmente, índice de prenúncio da morte, configurado na caveira com dente de ouro encontrada no fundo do mar por Jeison (Geová Manoel dos Santos), e no defunto flutuante particularmente ilustrativo do abandono dos poderes públicos. Não existe o momento simbólico da morte que dá lugar ao ritual familiar e social. Não fica elucidado se o corpo do defunto assassinado em decomposição no mar seria do pesquisador que desaparece pelo abandono de uma imagem por outra na sequência dos planos longos, contemplativos e silenciosos, característicos de Mascaro.

O corpo como dejeto tragado pela força do mar onde se pesca os peixes para sobrevivência e conservação da vida, constitui-se, como o objeto da excreção (fezes), em um objeto fantasmático e, como tal, pode ser identificado pelas crenças lendas locais. Já o som do “punk rock” preferido de Shirley, emitido por aparelhos de som, contrastando com o ritmo do lugar silencioso, envolvente, de belas e impressionantes paisagens sensivelmente fotografadas, faz transcender ao que se escuta e ao que se vê para transmitir, no sonho, o desejo.

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