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SOLSTÍCIO DE INVERNO

26.01.2006
Por Luiz Fernando Gallego
SOLSTÍCIO DE INVERNO

Embora discordando de muitas das escolhas dos que terão sido os melhores filmes exibidos no Rio em 2005 pelos diversos grupos de críticos cariocas de cinema (Associação de Críticos de Cinema do RJ, jornal O Globo, site Criticos.com, etc etc), reconheço uma certa importância quando (à parte exageros de adoração ao Tim Burton ou às metáforas concretas de Manoel de Oliveira - ou ainda perceberem tantas qualidades em filmes grand-guignol pseudo-espertinhos como Old Boy e Marcas da Violência) destacam filmes que passaram rapidinho no circuito. Este foi o caso de Contra a Parede, por exemplo. Se não chegam a ser, no meu ponto de vista, destaques tão importantes para uma lista de "melhores", são filmes acima da média medíocre do cinema "comercial" burro - porque existe o "comercial" que não ofende a inteligência, pelo contrário, pode ser ótima diversão e excelente cinema. São filmes "diferentes" do senso comum, no sentido de uma autêntica originalidade e não de uma tentativa de inventar a roda, que geralmente sai quadrada ou pentagonal, enfim, novidadeira sem verdadeiras novidades.



Percebo uma certa indiferença para com, por um lado, filmes de padrão "norte-americano" de roteiros bem amarrados e narrativas modernas mas já clássicas (e não pós-modernistas ou anti-clássicas), como Closer, Crash ou mesmo O Jardineiro Fiel e nosso brasileiro Quase Dois Irmãos, primo intelectual do brilhante alemão Edukators. Não dá para ignorar o desleixo para com A Mão (episódio de Eros) do mesmo Wong Kar-Wai idolatrado por seu barroquismo em 2046, ou o esnobismo para com Manderlay, do antes endeusado Lars Von Trier pelo seu fascista Dogville; ou ainda a displicência para com delicadezas como Quando Otar Partiu ou Questão de Imagem.



Por outro lado, pode-se até compreender a omissão para com, por exemplo, Irmãos, filme difícil do Patrice Chéreau, na contramão do culto ao corpo, exibindo despudoradamente o corpo nu adoecido e não o corpo erotizado que inflaciona nossas retinas já cansadas. Um filme admirável, mas não "gostável", tal a crueza de sua exibição do demasiadamente humano no corpo que adoece e se enfeia para morrer e nas relações humanas tão friáveis quanto o esgarçamento da pele adoecida, mas que podem, ainda bem, às vezes, surpreender no predomínio da solidariedade sobre a solidão iniludível de cada alma humana. Curiosamente, o também contundente e sem adoçantes Ninguém Pode Saber teve merecido destaque especial em quase todas as seleções a que tive acesso.



Tudo isso para falar de um filme que talvez não emplaque a segunda semana aqui no Rio, que tem o nome de Sobre Pais e Filhos, mas cujo título original é "Solstício de Inverno". Um sol de inverno perpassa o filme todo, com uma quase "não-história" sobre um viúvo quarentão que trabalha com jardins para as casas de New Jersey e seus dois filhos jovens, um ainda bem adolescente. O relacionamento entre os três, especialmente entre os dois jovens (de um lado) e seu pai (de outro) está no limite da tensão muda sobre um fundo de depressão e perda. A mãe teria morrido num acidente estúpido de carro há cinco anos. O luto parece ainda não-elaborado, o que só se vai percebendo de forma sutil numa narrativa intencionalmente econômica , mas jamais displicente.



Apenas a personagem providencial de uma nova vizinha poderia parecer um "lance de roteiro" (ou de sorte, oportunidade que a vida também pode oferecer), mas, mesmo assim, inserido com discrição e sem expectativas excessivas de "daqui prá frente tudo vai ser diferente".



A difícil independentizaçao do filho mais velho, a aceitação por parte do viúvo de mais uma perda (ainda que não para a morte) e o cotidiano tão próximo da banalidade das vidas comuns fazem deste filme não uma pequena jóia, mas talvez uma dessas peças de artesanato, de metal, nada tão precioso pelo material usado, mas que pode se constituir em adereço elegante num braço feminino (a imagem é contaminada pelo tipo de artesanato que a personagem da nova vizinha faz: queria poder viver disso, mas economicamente não é possível...).



O filme escapa sobriamente do melodrama mas é melancólico como um sol pálido de inverno que, afinal, também oferece tonalidades de cores admiráveis, sem os exageros do verão. Melancólico e bonito. Bonito e triste. Mas jamais derrotista ou sem-esperança, ainda que esta se apresente pálida como um crepúsculo.



Só está passando no Rio no Paissandu e, mesmo assim, em sessões não-contínuas, alternando com dois outros filmes menores e não tão bons. E como a crítica de nossos jornais também não foi sensível ao que este filme oferece, o já pequeno público que poderia se beneficiar de conhecê-lo nem vai saber direito que ele existe. Uma pena.





Luiz Fernando Gallego é psicanalista e cinéfilo, coordenador dos debates cinematográficos do SESC-Flamengo (Rio).

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