No momento em que Macunaíma, o filme mais famoso de Joaquim Pedro de Andrade, reestréia em salas comerciais com cópia restaurada, um bom complemento para se conhecer melhor – ou relembrar - quem foi o cineasta Joaquim Pedro é ir a uma exposição em cartaz até fevereiro de 2007 no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro e aproveitar para assistir um documentário que o diretor realizou em 1978, seu penúltimo filme, realizado dez anos antes de seu desaparecimento precoce. Vale o clichê de dizer que se trata de uma pequena jóia.
Na verdade, fui conhecer a exposição sobre o ‘Aleijadinho’ e seu tempo, imperdível. Seguindo o trajeto recomendado, dei com uma salinha onde estava sendo exibido um documentário sobre o escultor e arquiteto que marcou de forma absoluta o barroco mineiro. Uma placa informativa (?) – só muito depois reparei que havia duas placas – me fez entender que aquele era um documentário de Joaquim Pedro sobre a obra do ‘Aleijadinho’. Era uma cópia ruim, com cores desbotadas, som fanho, o que contribuiu para que eu não me detivesse nem dez minutos - e apenas “em consideração” ao nome do cineasta. Saí decepcionado. Era um filme sem vitalidade, com formato burocrático e pretensões didático-pedagógicas mal realizadas, com texto envolvendo detalhes técnicos mal explicados e imagens repetidas para acompanhar a fala longa de um entrevistado.
Indo adiante, uma outra salinha, sem placa de informação do que estava sendo mostrado, me revelou imagens em cores vivas do Museu da Inconfidência de Ouro Preto, com uma lápide onde se lia o nome do Tiradentes e uma narrativa pausada dizia que quarenta anos antes da Inconfidência, na cidade de Vila Rica floresceram as obras de Antonio Francisco Lisboa. Estava apenas dando uma olhadinha desinteressada de início, mas logo as imagens exibidas cativaram minha atenção. Assisti até o final, pensando que aquele documentário tinha qualidades cinematográficas muito maiores do que o que eu julgara que era o filme do Joaquim Pedro. Pensei que o filme que eu atribuíra a ele, em exibição na primeira sala, teria sido uma obra de principiante (não sabia que o famoso documentário sobre o ‘Aleijadinho’ era do final forçado de sua carreira), e que o que eu vira antes, sem condições técnicas, era algo comum no período do “cinema novo”.
A vantagem de ser uma cópia restaurada (como fui saber depois) que estava em exibição na segunda sala era que resgatava de fato um dos últimos filmes do autor de Os Inconfidentes (de 1972), que exibe em sua plenitude uma fotografia excelente de Pedro de Moraes e uma narração sem exageros de Ferreira Gullar, tendo o texto (de Lucio Costa) lido a medida exata: a soma dos talentos resultou em um somatório irretocável do que é um modelo de documentário adequado em sua duração (23 minutos) e em sua capacidade de informar - ao mesmo tempo em que traz o olhar de uma câmera que não se impõe ao olhar do espectador, pelo contrário, convida sua atenção, instiga sua percepção, quase que nos toma pelo braço para nos levar a ver melhor as formas barrocas das imagens esculpidas e das igrejas arquitetadas pelo gênio de Francisco Lisboa.
Quando o curta-metragem terminou é que descobri que aquele, sim, era a obra de Joaquim Pedro. Permaneci na sala para ver o início (e tudo de novo). Na porta desta sala não havia indicação do que estava sendo exibido e retornei à sala anterior onde inadequadamente estão duas placas informando sobre os dois filmes, sendo o outro, de Ozualdo Candeias, feito para a TV Cultura de SP em 1973 (ao que me lembro), com 28 minutos de duração. Lamento dizer que não só pela qualidade das cópias, a comparação é muito desfavorável ao documentário de Candeias, mesmo que se leve em conta que foi um produto institucional para uma emissora de TV com ranços pedagógicos de oferecer pérolas aos poucos que a assistiam...
É curioso observar como ambos os diretores se utilizam frequentemente do recurso do zoom, partindo de um plano mais amplo para um detalhe em plano fechado do que querem mostrar. Mas que diferença na suavidade da câmera de Joaquim Pedro/Pedro de Moraes... O ritmo do filme (edição de Carlos Brajsblat) mantém sincronia com o que está sendo informado na narração e com os momentos em que a voz silencia, quando só se escuta trechos de músicas da época e podemos ter o nosso tempo de contemplação.
Fica uma severa crítica à organização da exposição que informa mal sobre o que está sendo exibido em cada sala, induzindo a erro. Na verdade, o filme de Joaquim Pedro deveria estar disponível em primeiro lugar na seqüência de percurso sugerido. E fica uma sugestão de que não se deixe de ir conhecer (ou rever, para os afortunados que já conheciam) este documentário epifânico que a tão questionada Embrafilme propiciou que existisse como mais uma prova da grandeza do nome que – a meu ver – permanece como o do mais sólido realizador do “Cinema Novo” brasileiro, o mais equilibrado, o mais arguto pensador de filmes (e do Brasil) daqueles tempos e daquela leva tão generosa de criadores cinematográficos.
# O ALEIJADINHO
Brasil, 1978
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Texto: Lucio Costa
Fotografia: Pedro de Moraes
Narração: Ferreira Gullar
Montagem: Carlos Brajsblat
Direção Musical: Rogério Rossini
Duração:: 23 minutos, colorido, cópia restaurada.