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PARECE ATÉ COISA DE FILME!

31.12.2006
Por Luiz Fernando Gallego
PARECE ATÉ COISA DE FILME!

É curioso comparar as situações que servem de base para os roteiros de duas comédias românticas, ambas dirigidas por mulheres de diferentes nacionalidades e lançadas no Rio de Janeiro ao apagar das luzes de 2006.



Em Você é Tão Bonito!, francês de Isabelle Mergault, temos um viúvo interiorano feio e rude procurando uma nova esposa (na verdade ele quer uma espécie de empregada para dividir serviços pesados de uma fazenda), coisa que vai tentar resolver através do desejo desesperado de emigração de miseráveis cidadãs da Romênia para supostos paraísos com maior tradição capitalista.



Já em O Amor Não Tira Férias, americano de Nancy Meyers, as mudanças de países de duas moças se dão por motivos muito diversos: uma jornalista londrina vai para a mansão de uma produtora de trailers cinematográficos em Los Angeles, enquanto a americana vai para a casinha bucólica da britânica - ambas tentando esquecer decepções amorosas e – se a sorte lhes sorrir - encontrar novas opções; e aí teremos compositores de trilhas sonoras e editores de livros como complementos. Todos os personagens são gente bonita e inteligente, trabalhando em áreas (mais ou menos) culturais.



No filme francês, a personagem da romena interpretada com garra por Medeea Marinescu não deixa de fazer oferecimentos sexuais em troca de melhores condições de sobrevivência junto ao feioso personagem do fazendeiro, interpretado pelo excelente ator mas nada bonito Michel Blanc - o que ajuda na ironia do título Je vous trouve très beau. Enquanto isso, no filme anglo-americano, a beleza e o charme de Jude Law são comentados com todas as letras por Cameron Diaz, que por sua vez é comparada à boneca Barbie em elogio feito por uma menininha encantadora. Se Jack Black não é nenhum novo Alain Delon, seu personagem é o que eles chamam por lá de so sweet! - e, na verdade, os quatro personagens principais são todos “gente boa”, com destaque para a jornalista Kate Winslet, que é tão boa-gente que vai dar uma força e tanto a um velhinho bem velhinho que ela encontra meio perdido nas rodovias das colinas de L.A.



Este personagem interpretado com simpatia pelo veterano Eli Wallach, na flor de seus 91 anos, é a chave das intenções óbvias deste filme: ele é um roteirista aposentado da época áurea de Hollywood. A partir desta menção ao tempo em que a maior pretensão do cinema era mesmo a de levar a platéia a se desligar de qualquer vislumbre de realidade e experimentar fantasias idealizadas de encontros felizes com happy end garantido, The Holiday(título original) não vai esconder suas (as mesmas) pretensões sublinhadas por várias citações de filmes mais ou menos antigos que envolviam casais difíceis de se resolverem antes da última cena. Dentre outros, temos cenas ou alusões que vão desde Jejum de Amor, com Cary Grant e Rosalind Russel, até A Primeira Noite de um Homem, com Katharine Ross e Dustin Hoffmann (que aqui faz uma divertida e rápida aparição) – passando por Bonequinha de Luxo, onde Audrey Hepburn resistia até o último minuto do filme a se entregar ao amor por George Peppard. Todo mundo torcia para que tais teimosas “almas gêmeas” finalmente se descobrissem como tais e fossem felizes para sempre naqueles tempo e espaço virtuais que devem existir depois que os filmes acabam: o provável eterno céu dos personagens aquinhoados (por roteiristas espertos na sedução das platéias) com uma sorte no amor que raramente contempla os simples mortais fora das telas.



A diretora e roteirista Nancy Meyers pertence a esta classe esperta de contadores de histórias um tanto anacrônicas para nossos dias desencantados. E desta vez, ela atira em todas as direções: além da porção romântica dos casais de difícil conjunção geográfica, temos uma porção de filme-família com duas garotinhas irresistivelmente cativantes cuidadas por um pai-viúvo que é tudo de bom e bonito. E para não excluir os personagens judeus, ao escolher ser também um “filme de Natal e Ano-Novo” (daí o Holiday do título original), ela providencia uma pequena festa de Hanuká.



Corajosa, Meyers estica seu filme para mais de duas horas; mas não se pode negar que mantém o ritmo e o interesse – desde que o espectador entre no jogo de suspender totalmente a descrença para com as inverossimilhanças da historieta. Claro que nestes filmes os atores são imprescindíveis para que a fórmula não desande; e neste sentido, o elenco comparece com adequação. Os destaques vão para Kate Winslet, em um papel um pouquinho mais desenvolvido do que os demais, e seu quase parceiro de 91 anos. Mas todos fazem direitinho o que se espera deles. Black abandona o estilo doidão de professor de rock para ser o gordinho doce que compõe trilhas adocicadas. A platéia feminina suspira a cada sorriso “pidão” de Jude Law. E só mesmo os muito implicantes com Cameron Diaz poderão desprezar seus esforços para ser uma nova Meg Ryan (que já tentava ser uma nova Doris Day). Ela consegue driblar um pouco da personagem-clichê de executiva rica e bem-sucedida no trabalho – mas, oh! pobrezinha, infeliz no amor... Para tal a “Barbie” usa caretinhas simpáticas, roupinhas fashion e sorrisos Kolynos permanentes, mas sem chegar a enjoar. Para quem ficava só nas preliminares dos filmes (lembremos que ela é produtora de trailers), sua “Amanda” (um nome para não deixar dúvidas) será abençoada com dúvidas de deixar qualquer mocinha da platéia morta de inveja: como conciliar sua fonte de (muita) renda em L.A. com o amor pelo editor de livros londrino vivido pelo viúvo perfeito, Jude Law?



Não há meio termo para um provável espectador deste filme: ame-o, deixe-o ou nem vá ver! Se for e curtir, num laivo de quem ficou mais para o reino da fantasia do que na dura realidade, poderá até se ver pensando: “parece até coisa de filme”, já que, ao contrário de Você é Tão Bonito!, as referências de O Amor Não Tira Férias são todas do mundo mais irreal possível do cinema mais escapista. Coisa a que o – inicialmente - “realista” francês também vai se render aos poucos. Afinal, a vida real está, de fato, muito dura de ser vivida.



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