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OS FANTASMAS DE CARRIÈRE

23.03.2007
Por Luiz Fernando Gallego
OS FANTASMAS DE CARRIÈRE

Famoso, acima de tudo, como roteirista de praticamente toda a “segunda fase francesa” de Luís Buñuel, desde Diário de uma Camareira e Bela da Tarde até o derradeiro Esse Obscuro Objeto de Desejo, Jean-Claude Carrière também foi escolhido pelo grande cineasta para ajudá-lo na redação de sua conhecida autobiografia, Meu Último Suspiro.



Assinou roteiros para grandes cineastas como Louis Malle, Marco Ferreri, Godard, Peter Brook, Nagisa Oshima, Andrzej Wajda e Carlos Saura, dentre muitos outros, destacando-se sua participação na adaptação para a tela de A Insustentável Leveza do Ser, famoso livro de Milan Kundera, filmado por Philip Kaufman, assim como na roteirização considerada "impossível" do romance Brincando nos Campos do Senhor, que foi dirigido por Hector Babenco.



Aqui, interessa a sua colaboração com Milos Forman que começou com o primeiro filme americano do cineasta tcheco, Procura Insaciável (Taking Off), e que foi retomada na subestimada versão de Ligações Perigosas que se chamou Valmont, eclipsada pelo filme de Stephen Frears - que chegou antes aos cinemas. As liberdades que Carrière tomou com o desfecho do romance original foram criticadas como “infidelidades”, mas talvez ele tenha sido mais fiel às intenções do que aos cuidados tomados por Choderlos de Laclos para que seu livro não fosse proibido: o escritor puniu todos os personagens “transgressores”, admitindo, entretanto, expressamente que seria difícil acreditar que uma delas pudesse “morrer de amor” – o que Carrière deve ter tomado como indicação de que o final punitivo era mais irônico do que moralista, apenas para agradar à hipocrisia da época.



Forman e Carrière estão novamente reunidos em um filme lançado no final de 2006 apenas na Espanha e que ainda espera distribuição para junho nos EUA: já tem data prevista para estrear no Brasil, em 7 de setembro de 2007. Trata-se de Os Fantasmas de Goya, cuja versão em forma de romance foi traduzida por Paulina Wacht e Ari Roitman, em edição da Companhia das Letras.



Não há indicação de quem veio primeiro: provavelmente terá sido o roteiro do filme que, posteriormente, Carrière transformou em romance, dando co-autoria ao cineasta que não filmava desde 1999. O filme não está sendo tão bem recebido pela crítica nos lugares onde já foi visto (Alemanha e Espanha), nem na versão dublada em espanhol, nem na versão em inglês - onde os sotaques dos atores de várias nacionalidades vem sendo considerado um incômodo.



Lendo-se o livro fica difícil imaginar que tanta coisa vá caber em apenas 106 minutos de filme; pode-se supor que o livro se detenha mais longamente em informações da História que se desenrola como pano de fundo para o drama dos personagens principais: o pintor Goya, um cardeal da “Santa” Inquisição e uma jovem de 17 anos, filha de um comerciante abastado. Não se vai dizer nada aqui sobre o enredo, exceto que o ponto de partida são os retratos que Goya está pintando, não só da moça e do inquisidor, mas também da família real. As guerras napoleônicas se unem à Inquisição como fatores históricos que determinarão os destinos dos personagens.



Quem preferir ver o filme sem conhecer o enredo não deve nem se aproximar do romance. Quem não se incomodar com o risco de se “construir” um filme ideal na nossa cabeça, em relação ao qual nenhum grande cineasta faria melhor, terá em mãos um romance de estrutura tradicional, sem nenhuma preocupação com os critérios contemporâneos que pretendem definir modelos para a ficção criativa na atualidade. O que interessa é a narrativa cronológica e contar uma história de forma clara e elegante. E às vezes, emocionante, com “ganchos”, viradas e verdadeiros “golpes de teatro” (ou “de roteiro”). Algumas críticas ao filme estão questionando exatamente os “truques” de mudanças de rumo que trazem o inesperado na sucessão de episódios. Se no romance nada parece inverossímil, no filme uma falha de verossimilhança está sendo apontada em vários detalhes do enredo. Os elogios vão – como em Valmont e no mais amplamente apreciado Amadeus - para os cuidados de produção, vestuário de época, cenários, fotografia, etc.



Goya não é o personagem principal, apesar de seu nome estar no título do livro e do filme: mas recorrer ao pintor real funciona como um bom recurso. Ele é o personagem que guia o leitor, testemunha dos desmandos gerais das guerras (que ele retratou em pranchas famosas, como na série Os Horrores da Guerra, e em quadros como o 2 de Maio, só para citar algumas obras-primas) – e das interferências que os eventos históricos teriam tido sobre os demais personagens, ficcionais.



Os atores que fizeram os papéis no filme são o sueco Stellan Skgarsgard (de Ondas do Destino, de Lars Von Trier, e do inexplicavelmente inédito comercialmente – até em DVD por aqui - Taking Sides de Istvan Szabó) no papel de Goya; Javier Barden como o cardeal da Inquisição; e Natalie Portman como a moça do retrato. Quem acha que a atriz fez seu personagem mais sofrido em V de Vingança irá se surpreender com a tragédia disparada logo no início da trama.

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