DVD/Blu-ray


INÉDITOS NOS CINEMAS: TABU E LUNAR

07.07.2010
Por Luiz Fernando Gallego
NEM TUDO QUE NÃO RELUZ NAS TELAS É "OURO DE TOLO" EM DVD

“O mercado” de lançamento de filmes (essa entidade obscura que se confunde com a opinião idiossincrásica dos distribuidores, marqueteiros e executivos) vem afastando das salas de cinema muitas obras interessantes que poderiam ganhar algum público – que mais não fosse - no chamado “circuitinho”; e que acabam indo direto para o formato DVD, ficando como títulos obscuros nas prateleiras das locadoras. O mais recente “mico” terá sido o de Guerra ao Terror, mal ou bem, o filme oscarizado do ano que foi primeiramente para as locadoras, e que só depois da corrida aos prêmios chegou às telas grandes.



Por um lado, poder conhecer um filme através de DVD é menos mal: antes da fitas de vídeo e dos DVDs, os cinéfilos cariocas (brasileiros, em geral) ficaram sem acesso, por exemplo, a O Sétimo Selo, realização que divulgou Ingmar Bergman fora da Suécia em festivais europeus nos idos de 1956. Mas foi só bem mais de uma década depois que o extinto “Cinema I”, programado por Alberto Shatovsky, exibiu este – e outros filmes de Bergman inéditos comercialmente no Brasil, tal como O Rosto, em 1975... mas que também era da década de 1950.



Em distribuição recente no formato DVD temos dois filmes que poderiam encontrar seu público: aquela parcela menos interessada em blockbusters e/ou em efeitos especiais do tipo 3-D. Se um desses filmes pertence ao gênero “ficção científica” - que quase sempre pede alguma trucagem básica - o outro nem tem um enredo que propicie a invasão tecnológica para sua narrativa.



É o caso do aqui nomeado Tabu (tal como foi chamado na Grécia e na Turquia) mas cujo título original é Towelhead, um termo ofensivo aos árabe-americanos (ou a árabes - ou a gente de ascendência e com aparência física árabe em geral) e que quer dizer “cabeça de toalha” - entendido como “cabeça de turbante”. Houve protestos “politicamente corretos” quando chegou às telas em festivais por lá. Na pré-estreia (Festival de Toronto de 2007) foi intitulado “Nothing is Private”, mas a autora do livro original, Alicia Erian, preferia o mesmo nome que deu ao romance, traduzido no Brasil como O Deserto de Jasira (ainda pode ser encontrado em algumas livrarias e sites de venda).



É o único longa-metragem até agora dirigido por Alan Ball fora do circuito de TV. Para quem não lembra, ele é o roteirista oscarizado por Beleza Americana e principal responsável pela série A Sete Palmos, estando em cartaz atualmente com roteiros para outro seriado televisivo, True Blood - que não deixa de se render ao modismo de vampiros jovens e bonitos. Mas Towelhead se passa em outro departamento.



Mais do que um escândalo pelo uso de termos “politicamente incorretos”, o filme pode chocar por expor a sexualidade natural de Jasira, uma adolescente americana de 13 anos (Summer Bishil) que corre risco de sofrer abuso pelo atual namorado de sua mãe (Maria Bello). Como “solução”, a mãe “tira o sofá da sala”, ou seja, manda a menina-moça ir morar com o pai (Peter Macdissi), um rígido descendente de libaneses (o ator é nascido mesmo no Líbano) mais preocupado em se mostrar como “americano nativo” do tipo I love this country. Sem o menor tato com a filha adolescente, quem vai tentar protegê-la de novos riscos sexuais é uma vizinha casada de pouco e já grávida (Toni Colette).



A ótima turma de atores é completada com o sempre cínico Aaron Eckhart, o vizinho da outra casa ao lado da de Jasira que fica desnorteado com a beleza e sensualidade espontânea da mocinha, disputando-a com um colega de colégio da garota, um jovem negro. O pai libanês tem preconceito contra negros e o vizinho “wasp” tem preconceito contra árabes. A “suburbia” de American Beauty vai ser palco de mais uma comédia (ou tragicomédia) de erros durante a guerra do Golfo do Bush-pai, ainda em 1991.



O moralismo tacanho norte-americano é evidente em uma resenha crítica do filme que fala de Jasira como uma garota “oversexualized” - quando um dos méritos do filme é mostrar a descoberta natural da sexualidade pela adolescente sem nenhum apoio dos seus lamentáveis e patéticos pais. A atriz Summer Bishil, americana de origem hindu, com apenas 1m60 passa pelos 13 anos da personagem mas já tinha 18 durante as filmagens. Ela consegue transmitir a sensualidade involuntária e até mesmo “ingênua” de Jasira. Mas só americanos de ranço puritano ainda acreditam que a sexualidade de uma jovem de 13 anos possa ser “over” e não o que é: uma maré hormonal de repercussões que podem ser perturbadoras para quem está vivendo a puberdade - e para quem está à sua volta.



O tema do abuso sexual de jovens (não estamos nos referindo ao abuso de crianças pré-púberes) poderia render uma complexa reflexão a partir deste filme que já foi comparado a Lolita, romance levado às telas por duas vezes (Kubrick em 1962 e Adrian Lyne em ’97). Cabe lembrar (mas geralmente é deixado de lado) que o livro de Nabokov é narrado na primeira pessoa pelo pedófilo H.H., um narrador “inconfiável” que vê na sensualidade possivelmente normal da jovem Lolita uma sedução de “ninfeta” (neologismo criado pelo escritor) igualmente – ou ainda mais – desamparada do que Jasira. A inconseqüência psicossocial da sexualidade explosiva de todos os adolescentes tal como essas jovens ficcionais (e as reais) não serve de desculpa para os abusos dos adultos.



O filme pode soar um pouco insatisfatório na conclusão do enredo, mas tem o mérito de deixar vários temas em aberto, sem uma posição moralista apriorística.



Lunar (título original: Moon), dirigido e co-roteirizado por Duncan Jones, filho de David Bowie, é mais dif´cil de ser apresentado em linhas gerais sem “entregar” as surpresas da história, ainda que, em algum momento, a gente possa desconfiar das explicações para os eventos insólitos desta ficção científica com menos base em tecnologia e efeitos especiais do que em um tipo de problematização ética sobre avanços da ciência. Geralmente esses enredos de questionamento de condutas em filmes de ficção científica incorrem em um certo reducionismo moralista, o que é razoavelmente minimizado pela hábil história original de um cineasta estreante em longa-metragem e roteirizada por Nathan Parker, outro marinheiro de primeira viagem(!)



Mas o resultado poderia ser bem menos satisfatório sem a participação quase heróica de Sam Rockwell que fica sozinho em cena por quase meia hora (às vezes dialogando com a voz de Kevin Spacey como uma espécie de novo HAL 9000 de 2001-Odisséia no Espaço) e contracena com ele mesmo em vários outros trechos do filme.



O ator já recebeu dois prêmios de interpretação em festivais e vem recebendo várias indicações, algumas das quais ainda podem lhe render merecidos destaques. Da mesma forma, o filme e/ou o diretor já foram laureados quase 15 vezes, em festivais ou premiações como o BAFTA. O DVD nacional da Sony (em locadoras e já à venda) traz quase uma hora de extras em formatos de entrevistas e making of, além do primeiro filme do diretor, um curta-metragem de quase meia-hora.



Já o DVD de Tabu, da California Filmes, no momento só é encontrado nas locadoras, sem nenhum extra além de uma sinopse supérflua e uma ficha técnica do que se pode ler, com mais dados, nos créditos. (OBS.: O DVD americano é cheio de extras, incluindo debates com o diretor e com a romancista).



Vale uma conferida ! Aliás, duas, já que estamos falando de dois filmes !

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