Texto publicado (em parte) no Segundo Caderno de O Globo em 27 de julho de 2012
O recente massacre dentro de uma sala de cinema nos Estados Unidos provoca tal grau de inquietação e perplexidade que nos sentimos impulsionados a tentar encontrar uma explicação e, de preferência, uma causa que seja aquela responsável por esse tipo de tragédia. E que, identificada, possa ser evitada. O suspeito habitual é o cinema e os filmes de violência exacerbada - como no passado foram histórias em quadrinhos, e até mesmo contos de fada que chegaram a sofrer versões sanitarizadas, sem lobos devoradores ou pais abandonando filhos na floresta.
O impacto causado por imagens de violência e destruição, com suas hipotéticas influências, é um tema recorrente e polêmico, já que envolve questões psicopedagógicas que podem criar um indesejável álibi para a censura à liberdade de expressão. Entretanto, não há provas convincentes de que tais imagens possuam, por si só, um efeito tão perturbador a ponto de induzir atos de violência destrutiva – a não ser, talvez, em pessoas que já tenham predisposição para tanto.
Embora possamos lamentar a vulgaridade de cenas de violência gratuita, não temos justificativa para supor que sejam diretamente responsáveis por crimes e outras ações destrutivas. Quanto à infância, a experiência demonstra que somente quando os adultos com quem a criança convive pareçam realmente aterradores é que a criança talvez não consiga distinguir entre ficção e realidade, ambas violentas.
Não se trata de negar que uma dieta exclusiva de programas de televisão violentos possa oferecer uma visão perturbadora da vida em sociedade, ou ter algum efeito prejudicial naquelas crianças cuja experiência real do mundo seja do tipo em que a violência física (e/ou psíquica) desempenha um papel notável. Uma criança imersa em tal ambiência pode ter seus próprios impulsos agressivos reforçados pelo que vivencia através da ficção, mas não há provas suficientes de que a comunicação de massa seja básica e essencialmente responsável pela delinqüência ou por crimes violentos.
É a crueza e a vulgaridade de certos filmes, em vez do seu conteúdo, que poderiam provocar nosso questionamento, pois se lembrarmos os conteúdos dos contos de fadas ou dos mitos descobriremos todo tipo de horrores, desde castração até fervura em óleo - e ninguém supõe seriamente que conquistadores que ferviam ou castravam seus inimigos tenham sido influenciados pelos mitos gregos ou por histórias de fadas e bruxas. Somente quando há um fracasso em distinguir entre fantasia e realidade é que as fantasias podem chegar a se transformar em fatos. Todos podemos ter fantasias destrutivas, mas apenas o psicopata (mais frequentemente) – ou, mais raramente, um doente gravemente psicótico, durante um surto – é que pode chegar a realizá-las.
Freud opôs a destrutividade ao vínculo emocional atingido pela identificação. O laço que une as pessoas é a identificação baseada numa qualidade emocional comum. Há uma relação entre as identificações estabelecidas e a limitação da agressividade. E a empatia (Einfühlung) desempenha, em nossa percepção sobre os outros, a capacidade de apreender aquilo que é inerentemente estranho a nós mesmos.