DVD/Blu-ray


CONFISSÕES DE UM COMISSÁRIO DE POLÍCIA AO PROCURADOR DA REPÚBLICA

De: DAMIANO DAMIANI
Com: MARTIN BALSAM, FRANCO NERO, MARILÙ TOLO
08.03.2015
Por Luiz Fernando Gallego
O título pode fazer pensar que se trata de um filme brasileiro atual. Não é, mas poderia ser.

Um Procurador da República e um Comissário de Polícia em destaque, tendo como assunto empreiteiros, construções, juízes, corrupção... Não, não é um filme brasileiro atual, mas um dos mais marcantes filmes italianos da década de 1970, na verdade lançado em 1971 e assinado por Damiano Damiani, diretor que nunca foi elevado ao “Olimpo” dos grandes nomes do cinema italiano de pós-II Guerra. Nem é o caso de ver que lugar sua obra ocupa em relação a Visconti ou Rossellini, mas no contexto daqueles que ficaram marcados como autores de tantos filmes “políticos” das décadas de 1960 e 1970: Francesco Rosi, Marco Bellochio, Elio Petri - dentre outros - para não falar em Pasolini, Bertolucci ou nos Irmãos Taviani.

No livro de Angela Prudenzi e Elisa Resegotti, “Cinema político italiano – anos 60 e 70”, entretanto, Damiani é apresentado como “um dos autores mais importantes do cinema italiano” e “um dos nomes de ponta daquele cinema de empenho político-social cujo ápice se dá nos anos 1970: um cinema no qual, por vezes, o tratamento formal era colocado em segundo plano, dada a urgência de engajamento social”. As autoras mencionam que talvez o “estilo enxuto e direto, baseado em diálogos e personagens de alta dramaticidade” tenha colaborado para o custoso reconhecimento do cineasta por parte da crítica, mas que essas características, com o tempo, surgem como os traços mais eficientes de seus filmes.

E justamente Confissões de um comissário de polícia ao procurador da república, agora lançado em DVD no Brasil, é considerado “um título-chave na história do cinema italiano”, já que teria sido a partir daí que derivou uma série de filmes que denunciavam a corrupção do sistema judiciário italiano naquela década.

Ainda neste livro, publicado pela Cosac Naify/Mostra Internacional de Cinema 2006, na entrevista com Damiani (que viria a falecer em 2013 aos 90 anos de idade), ele conta que que "a corrupção no interior das instituições legais parecia, antes, impossível, mas o mundo da lei deixara de ser “inviolável”. A história de um agente da lei que começa a se sobrepor à lei porque não consegue prender, pelos trâmites legais, um mafioso “é a história de uma derrota pessoal que humilha toda a Itália, e quando a lei se encontra de mãos atadas, quem sofre é a democracia (...) não existiam mais lugares ‘seguros’. Não que não se soubesse que a máfia tentava constantemente corromper (...) a lei, mas se falava disso como de casos isolados, circunscritos a indivíduos. Mais tarde, porém, percebeu-se que estava sendo preparado um ataque ao sistema judiciário como um todo”.

Prossegue o cineasta: “O que o filme faz perceber é que a corrupção já alcançava os altos níveis do poder; e que extraordinário é o trabalho de quem não se conforma – e não o contrário” (...) Havia um grande interesse do público em relação a esses assuntos: as pessoas tinham uma consciência política maior do que a de hoje [a entrevista foi realizada em 2006], e isso porque aqueles que tinham vivenciado a Guerra e o fascismo sabiam perfeitamente o quanto fora difícil alcançar o estado democrático”.

Ao contrário do que filmes (incluindo este) trazem como advertência auto-protetora, qualquer semelhança com nosso dias, especialmente do lado debaixo do Equador, não é uma coincidência ao mero acaso. Quando lemos pessoas pedindo a volta dos militares ao poder, como se isso fosse a salvação da pátria, supomos que devam ser pessoas que não passaram pela ditadura aqui instaurada em 1964 e que não vivenciaram como (ainda) é difícil alcançar o estado democrático: vale a pena conhecer este filme para refletirmos melhor sobre nossa consciência política.

Não cabe adiantar muita coisa do roteiro levemente labiríntico inicialmente: as primeiras atitudes do delegado Bonavia (nome significativo) não têm sua motivação claramente estabelecida, assim como o legalismo rígido do procurador Traini pode dar margem a suspeitas sobre de que lado, afinal, ele está. A relação entre os dois protagonistas é quase sempre bastante tensa e os dois atores estão muito bem, cabendo lembrar que se Martin Balsam (Bonavia) sempre foi um nome respeitado como intérprete, a boa pinta de Franco Nero (Traini) muitas vezes levou a crítica a menosprezar seus bons momentos como ator, especialmente em filmes de Damiani ou em outros do filão “político” da época.

Não deixa de ser importante ressaltar que o filme, em síntese, tão denunciador quanto pessimista, coloca a opção de driblar a lei para “fazer justiça”, o que sempre pode ser um caminho tão tentador quanto arriscado para a sobrevivência da democracia, mas o que se coloca é essa discussão através de um enredo com traços de filme do gênero “policial”, mantendo a forma clássica tradicional sem buscar inovações formais. Isto, na época, dava margem a exaustivos debates sobre a opção de tais filmes “políticos” precisarem ou não de uma forma “revolucionária”. Para alcançar o grande público - que então frequentava mesmo as salas de cinema - muitos diretores seguiram os cânones rotineiros da sintaxe cinematográfica, o que consagrou os filmes de Costa-Gavras, por exemplo. Damiani segue este formato, como também pode ser conferido em outro filme seu, também lançado pela mesma distribuidora Cult Classic, O Dia da Coruja, de 1968, também com Franco Nero e com Claudia Cardinale.

Vale a pena conhecer estes filmes, embora neste "Confissões..." haja alguns (pequenos) problemas com as legendas em português e um corte muito abrupto no momento em que aparece a palavra “Fine” na tela.

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