Hoje, quem se espanta com o “talento” de M. Night Shyamalan, diretor de Sinais, precisa urgentemente dar uma olhada em Contatos Imediatos do Terceiro Grau para sacar aonde ele foi buscar inspiração. Essa história de assustar apenas pela sugestão da presença do alienígena que não se vê está imortalizada neste clássico, que ajudou a consolidar o nome de Steven Spielberg como o mago do cinema de entretenimento e um dos símbolos de Hollywood na era do cinema-pipoca.
Em 1977, quando a Guerra Fria já não estava tão quente, o cinema americano começou a deixar de ver os seres de outro planeta como soviéticos disfarçados de pavorosos alienígenas do mal que ameaçavam invadir a terra para acabar com a raça humana. Naquela época, havia, isso sim, fora das telas, cada vez mais rumores sobre a existência de objetos voadores não-identificados sobrevoando a Terra. Coube a Spielberg, um cineasta-revelação que acabara de assustar o mundo inteiro com o sucesso Tubarão, o desafio de promover o contato imediato de terceiro grau entre os terráqueos e os misteriosos visitantes.
Com a ajuda de um consultor técnico, o especialista em OVNIs J. Allen Hayek, Spielberg conseguiu criar uma fascinante atmosfera de magia e mistério totalmente verossímil desde seu início, quando as vidas de duas famílias médias americanas do interior são afetadas pela aparição de objetos voadores não identificados em sua cidade. Jillian (Melinda Dillon) tem seu filho pequeno abduzido pelos alienígenas, dos quais só se vê a forte luminosidade provocada pelas naves e os efeitos sobrenaturais causados por eles dentro da casa. Roy Neary (Richard Dreyfuss) passa a agir de forma estranha depois que seu carro é interceptado por um desses discos voadores.
Os alienígenas jamais são mostrados, gerando curiosidade e expectativa. Bastou um eficiente uso da música de John Wiliams e dos efeitos de luz para que o diretor incutisse no espectador a idéia de seres assustadores que estariam prestes a invadir a Terra. A reação dos moradores locais, no entanto, causa a impressão oposta. No lugar da correria e do histerismo, eles passam a fazer piquenique na estrada à espera da passagem dos OVNIs, como se estivessem prestes a ver uma estrela cadente, e depois começam a desenvolver uma obsessão com desenhos e objetos na forma de uma mesma montanha.
Este contraste dá ao filme uma sensação de estranhamento que aumenta ainda mais o seu mistério, que vai crescendo a cada momento em que se aproxima o encontro com os alienígenas, organizado por um especialista da ONU (François Truffaut) com o apoio secreto do exército americano. E é quando esse encontro se dá que Spielberg realiza uma das seqüências mais fascinantes da história do cinema de ficção científica, requintada na riqueza de detalhes da nave-mãe e simples como as cinco notas musicais que estabelecem a comunicação entre terráqueos e ETs.
Ao desmistificar a idéia pré-concebida dos alienígenas como seres hostis e do mal, Steven Spielberg começava a dar vazão ao seu lado infantil, que retomaria cinco anos depois com E.T. – O Extra-Terrestre, e mostraria sua vocação para traduzir, como nenhum outro cineasta conseguira até então, o imaginário infantil para o universo adulto e vice-versa. O Spielberg de hoje, do pragmatismo de Minority Report, não é nem sombra daquele de 25 anos atrás, em que um americano médio deixa mulher e filhos para embarcar numa nave extra-terrestre rumo ao desconhecido.
“O filme reflete o que eu era há 20 anos. Hoje tenho sete filhos e não largaria minha família para perseguir meus sonhos e obsessões”, assume o diretor em um dos melhores momentos do excelente documentário de 101 minutos (legendado) que acompanha o filme no DVD duplo de Contatos Imediatos do Terceiro Grau. Poucos DVDs possuem um making of tão extenso e completo, que desconstrói a obra em todos os seus detalhes. O documentário foi realizado em 1997, quando o filme completava duas décadas, e traz depoimentos de Spielberg, dos atores e da equipe técnica, além de cenas cortadas e imagens dos bastidores do filme.
O diretor conta histórias esclarecedoras e divertidas de todas as etapas de produção. Steve McQueen, por exemplo, recusou o papel principal porque disse que não conseguiria chorar em cena. Dustin Hoffman, Al Pacino e Gene Hackman também foram sondados. Teri Garr, que já tinha atuado em A Conversação e O Jovem Frankenstein, foi escolhida por sua performance num comercial de café para a TV. E ter François Truffaut como ator era um sonho de Spielberg desde que este tinha assistido a O Garoto Selvagem. Aliás, todos os atores prestam reverência a Truffaut, lembrando das dificuldades dele com a língua inglesa, de seu carinho com as crianças e de sua impressionante cultura cinematográfica.
Uma das curiosidades é rever, 20 anos depois, o ator que interpretou o menininho Barry. Cary Guffey, que desistiu da carreira e hoje trabalha com finanças, mostra uma memória prodigiosa para quem tinha apenas 3 anos e meio de idade quando foi escolhido para o papel. Spielberg conta quais artifícios usava para arrancar de uma criança tão pequena aquelas expressões de deslumbramento, como se ele estivesse realmente vendo um disco voador. A solução mais engenhosa foi vestir membros da equipe de palhaço e gorila para provocar reações de alegria e espanto na cena em que fenômenos sobrenaturais acontecem na cozinha da casa de Barry.
Outro capítulo interessante é aquele em que Spielberg fala sobre a caracterização dos seres alienígenas. Ele primeiro treinou orangotangos fantasiados, mas não deu certo por causa da rebeldia dos bichos. Depois tentou com marionetes, mas não seria possível esconder tantos fios. Por fim, acabou se decidindo por menininhas, que foram treinadas por uma professora de balé.
Steven Spielberg não ficou totalmente satisfeito com a versão de Contatos Imediatos do Terceiro Grau lançada em 1977, que ficou pronta às pressas por imposição da Columbia Pictures. Ele negociou com a produtora, então, de filmar novas cenas e remontar o filme, para relançá-lo em 1980. A verba só foi liberada com uma condição: se ele filmasse cenas de Richard Dreyfuss dentro da nave-mãe, para satisfazer a curiosidade do público e atrair os fãs novamente para o cinema. Spielberg teve que ceder, mas depois se arrependeu amargamente. “Era um mistério que devia ter perdurado para sempre”.
O DVD traz o filme na versão do diretor, que é um híbrido da versão de 1977 com a de 1980. A cena do interior da nave-mãe foi cortada e só aparece, incompleta, nos extras do DVD. Entre as onze cenas deletadas que vêm nos extras, há algumas que poderiam perfeitamente ter figurado na montagem final, como a seqüência de 5 minutos de Roy no seu trabalho na Estação de Força, que ajuda a compreender melhor sua demissão. Há outra em que o personagem de Truffaut, ao encontrar com o intérprete, pede que este traduza os trechos eróticos de um livro que comprou no aeroporto. Uma ousadia que não caberia num filme de Spielberg, mesmo na fase em que ele ainda era um jovem idealista de quase 30 anos.
# CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU (CLOSE ENCOUNTERS OF THE THIRD KIND
EUA, 1977
Direção e Roteiro: STEVEN SPIELBERG
Fotografia: VILMOS ZSIGMOND
Elenco: RICHAD DREYFUSS, MELINDA DILLON, FRANÇOIS TRUFFAUT, TERI GARR
Duração: 137 minutos
Região do DVD: 4
Legenda: Português, Inglês, Espanhol, Francês, Chinês, Coreano e Tailandês
Formato de Tela: Widescreen
Idiomas: Inglês (DTS 5.1 e Dolby Surround), Espanhol e Francês
Extras: Documentário making of, Making of original, Trailer de 1977 e 1980, 11 cenas inéditas (legendados), seleção de cenas e filmografia do elenco e diretor
Distribuidor: Columbia Pictures