Trilhas


OS DESAFINADOS

10.11.2008
Por Luiz Fernando Gallego
WAGNER TISO E NEWTON MENDONÇA AFINAM "OS DESAFINADOS "

Se o filme homônimo de Walter Lima Jr. não correspondeu a todas as expectativas criadas, a trilha sonora – que poderia ser o maior risco – funcionou mais a contento. E merecidamente, chega - por fim! - às lojas, em CD que pode funcionar bem, independente do filme. Tal como serviu da melhor forma possível ao que se viu/ouviu nas telas. Pena a defasagem de quase 3 meses entre o lançamento das salas de cinema e - só agora - o das lojas de disco, demonstrando falta de oportunidade artística e comercial.



Foi dito que era grande o risco de uma trilha musical para a época do surgimento da Bossa Nova pois havia a possibilidade de tudo ficar reduzido a apenas mais uma coletânea das mesmas canções de sempre em gravações que poderiam vir a ser criticadas caso não correspondessem às criações originais ou às recriações mais inspiradas.



A questão de reproduzir standards não poderia mesmo ser evitada, mas sempre haveria a cobrança quanto ao que a trilha traria de novidade, especialmente quando lançada em disco (relativamente ) autônomo. O talento de Wagner Tiso afastou quaiquer temores - e se faz notar ainda mais especialmente na chamada “música incidental” que recheia o CD entre as faixas cantadas, a maioria com obrigatórias composições emblemáticas do movimento, mas com o apreciável “bônus” de duas canções inéditas que são – no mínimo - muito boas!



O disco abre de modo pertinente, tal como o filme, trazendo uma versão orquestral de Eu Preciso de Você, de Tom e Aloysio de Oliveira - que sempre teve um clima de abertura de musical da Broadway, desde a gravação original de Silvinha Telles em 1959 até o revival de Nara Leão no álbum "Abraços e Beijinhos e Carinhos sem ter fim..." de 1984.



O grande trunfo desta trilha sonora e que por si só já justificaria este lançamento é Quero Você, pérola do ainda insuficientemente lembrado Newton Mendonça, parceiro inicial de Tom nos primeiros passos da Bossa. Nem mesmo um CD com canções menos conhecidas (e outras inéditas) deste autor, gravado por Cris Delano em 2002, teve esta música incluída. São duas as versões deste disco, uma do grupo de atores do filme (André Moraes, Ângelo Paes Leme, Jair Oliveira e Rodrigo Santoro - que assumiu o nome “Os Desafinados”) - e outra com Branca Lima, filha do diretor Walter Lima Jr. que dublou a atriz Cláudia Abreu nas canções e está em mais 3 faixas, sendo as outras: as conhecidas Meditação e Caminhos Cruzados, ambas de Tom e Newton, além de Mente prá Mim, composta por Wagner Tiso e Ronaldo Bastos em estilo que lembra algo da transição do samba-canção para a BN. A voz da cantora muito bem acompanhada pelo piano de Tiso está especialmente bem em Caminhos Cruzados.



Dentre tantos clássicos inevitáveis em um filme que se remete àquela época, além das duas mencionadas acima, estão presentes (da mais famosa dupla Tom-Vinicius) Ela é Carioca em versão extraída de CD do Quarteto Jobim-Morelembaum; e Insensatez, fonograma não incluído no filme, proveniente do antigo LP de Eumir Deodato para o selo “Forma”, “Inútil Paisagem”. Já Desafinado, que é pouco lembrada como sendo também de Newton, foi gravada pelo quarteto masculino para a cena final. Uma faixa cantada em solo por Rodrigo Santoro, interpretada sem maiores vôos de cantor, mas de modo básico dentro do espírito boîte da época, é Miranda - que também ficou fora do filme, mas foi adequadamente incluída no CD.



Outras faixas são instrumentais, a maioria sendo os trechos breves e incidentais assinados por Wagner Tiso. Todas funcionam tão bem no disco como no filme: Jazz New York, Estátua da Liberdade e Quebra I são um pouco mais longas do que as curtíssimas Parceria e Jazz I que nem chegam a 60 segundos de duração, cada. Também são bem curtas as inclusões instrumentais de Copacabana, pré-BN de Braguinha e Alberto Ribeiro imortalizada por Dick Farney, e de Carinhoso, do mesmo Braguinha e Pixinguinha.



(Aliás, a brevidade da maioria das gravações especialmente feitas para a tela pode deixar um gosto de “quero mais”, mas atende tanto à necessidade do filme não se reduzir a ser prioritariamente um musical, mas sim um filme sobre músicos e sobre música. E a BN inicial era mesmo “minimalista” como nos 3 seminais LPs de João Gilberto. Portanto, não há o que reclamar mesmo. Se queremos “mais” é porque tudo é muito bom de escutar)



O destaque instrumental mais simpático, entretanto, acaba sendo o medley que reagrupa as harmonias de Só Danço Samba com Take the A Train, uma das melhores cenas musicais do filme.



Uma faixa com breve recriação jazzística do tema do coral de “Jesus, Alegria dos Homens” de Bach entra como curiosidade, sem destoar como acaba sendo o caso de Eu também tive um Sonho, de e com Jair de Oliveira quebrando o clima “cool” de BN/Jazz do disco, assim como ficava intrusa nos créditos finais do filme. Não funciona tão bem como o que podemos ouvir na série de CDs “BossaCucaNova” (que ao mesmo tempo inova e guarda alguma coisa do que seria “essencial” do estilo). Não é o caso desta composição que até seria satisfatória em outro contexto.



Mesmo com este pequeno senão, o CD Os Desafinados pode ser considerado um dos melhores lançamentos de 2008 dentro do espírito comemorativo dos “50 anos da Bossa Nova” por não se limitar à inclusão de “clássicos” e trazer as duas inéditas: uma que “clona” o estilo de modo inspirado (Mente prá Mim) e outra que é uma preciosidade de Newton Mendonça até agora oculta e justamente incluída tanto na versão do grupo vocal masculino como na de Branca Lima, fechando o disco, uma canção a ser obrigatoriamente incluída em antologias futuras de BN: Quero Você



#OS DESAFINADOS

Composições originais, arranjos e direção musical: WAGNER TISO

Participação Especial: Branca Lima, Jair Oliveira, Rodrigo Santoro, Os Desafinados.

Gravadora: DUBAS MÚSICA

Distribuição: Universal Music

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