Críticas


QUE FIZ EU PARA MERECER ISTO?

De: PEDRO ALMODÓVAR
Com: CARMEN MAURA, VERÓNICA FORQUÉ, CHUS LAMPREAVE
07.06.2006
Por Daniel Schenker
ALMODÓVAR EM TRANSIÇÃO

Que fiz eu para merecer isto? parece ser um filme de transição dentro da chamada primeira fase de Pedro Almodóvar: nem tão atrevido quanto Pepi, Luci Bom y Otras Chicas del Montón , nem tão contundente quanto A Lei do Desejo . No entanto, esta produção de 1984 não resulta indefinida por causa disto. Ao contrário, mais de um Almodóvar bate ponto na tela grande. Longinqüamente, já anuncia a trilha da maturidade que o cineasta tomaria anos mais tarde, a julgar pela redenção da personagem de Carmen Maura com a vocação materna ao final da projeção.



Não é apenas aí que a preocupação com um certo viéis psicológico transparece. “Ela me odeia porque a faço lembrar de meu pai”, diz, numa breve passagem, uma menina a respeito de sua mãe agressiva. O diretor investe numa justaposição de registros, mesclando o sobrenatural (através desta mesma menina), o nonsense e uma discreta documentação da classe-média baixa de Madrid. Em contraste ao realismo da fachada de prédios populosos, o interior de um apartamento compartimentado e tomado por uma decoração kitsch (cores berrantes, estampas exageradas) que aumenta a sensação de claustrofobia.



É dentro dele que transitam algumas das personagens que transbordam excessos. Quase todas portam algum vício. Na família flagrada no filme, a mãe é viciada em calmantes e a avó, em doces; entre os tipos secundários há cleptomaníacos e alcoólatras. Mas o cineasta nem sempre é derramado como faz supor o divertido título melodramático. Aqui e ali, porém, acerta tanto ao não se conter (a divertida seqüência do dentista pedófilo) quanto em passagens mais discretas (as impagáveis distinções errôneas feitas pela avó entre os autores românticos e realistas).



Não há dúvidas de que o cinema de Pedro Almodóvar passou por transições ao longo dos anos. Seus filmes se tornaram mais sóbrios, reflexivos e comercializáveis. Contudo, mesmo em determinadas produções recentes (em especial, Má Educação ), o Almodóvar dos anos 80 se insinua. Talvez hoje ele pudesse se apropriar de uma fala da personagem da escritora suicida de Que fiz eu para merecer isto? : “o tempo é que nunca mudou comigo”.



# QUE FIZ EU PARA MERECER ISTO? (Qué he hecho yo para merecer esto!!)

Espanha, 1984

Direção e Roteiro: PEDRO ALMODÓVAR

Produção: HERVÉ RACHUEL

Trilha Sonora: HANS FRITZ BECKMANN, WIZNER BOHEME, BERNARDO BONEZZI, JUAN MOSTAZO

Fotografia: ÁNGEL LUIZ FERNÁNDEZ

Elenco: CARMEN MAURA, VERÓNICA FORQUÉ, CHUS LAMPREAVE

Duração: 101 minutos

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