Críticas


“OS INOCENTES” (1961) em OBRAS-PRIMAS DO TERROR 7

De: JACK CLAYTON
Com: DEBORAH KERR, MICHAEL REDGRAVE, MARTIN STEPHENS, PAMELA FRANKLIN
08.12.2017
Por Luiz Fernando Gallego
Além de ser uma obra-prima do terror "gótico" é um dos melhores filmes de todos os tempos.

A caixa Obras-primas do terror Vol.7 lançada pela Versátil traz uma versão restaurada inédita do clássico Os Inocentes, de Jack Clayton (1961), baseado em A Outra volta do Parafuso, novela de 1898 de Henry James. Não se trata apenas de uma obra-prima do gênero terror "gótico": The Innocents (título original) é um dos melhores filmes de todos os tempos, independente do gênero. Raras vezes uma adaptação a partir de original literário foi tão feliz, poucas vezes foi tão efetiva a soma dos talentos do diretor, do roteirista, Truman Capote, e do fotógrafo, Freddie Francis - duas vezes oscarizado além de ter fotografado para Scorsese e David Lynch.

Jack Clayton vinha do sucesso de seu primeiro longa metragem, Almas em Leilão (1959) quando descobriu que já havia uma adaptação teatral da história de fantasmas de Henry James (1843-1916) The turn of the Screw com o título Os Inocentes - que manteve para o filme. Os direitos de adaptação para cinema eram da 20th Century Fox que aceitou produzir e distribuir, mas o primeiro roteiro (do mesmo autor da adaptação teatral) não foi do agrado de Clayton. Foi aí que entrou Truman Capote com sugestões visuais – ou seja, essencialmente cinematográficas – para traduzir o clima de apreensão em que passa a viver a governanta de duas crianças órfãs, temerosa de que falecidos empregados da mansão quisessem apossar-se das almas dos pequenos. Por exemplo, quando a governanta vê uma fonte seca nos jardins da mansão e na qual, da boca de uma estátua branca como cal representando uma criança, sai um inseto negro. Só depois disto é que ela começa a suspeitar que das bocas das crianças sob seus cuidados saem mentiras e dissimulações.

Há críticas a uma inclinação do roteiro pela hipótese de que tudo não passaria de fantasias histéricas da governanta, uma jovem reprimida sexualmente e atraída pelo tio das crianças - que não quer jamais ser incomodado pelos sobrinhos, delegando plenos poderes à moça inexperiente, contratada para ocupar o lugar de outra preceptora que havia morrido.

O conto longo (ou novela) de James é narrado pela voz da própria governanta, o que a coloca no lugar de “narradora inconfiável”, mas deixa em aberto todas as possibilidades para o leitor: os fantasmas existiriam? ou a governanta estaria alucinando? - conforme a escolha de cada um. E era essa a intenção do escritor.

A ressalva pode ser pertinente, sem, entretanto, minimizar a qualidade do filme - que faz, de fato, uma certa opção pela hipótese “freudiana” do que se passa. Especialmente pela cena final, a rigor muito enfática neste sentido, além de muito ousada para a época e praticamente escandalosa nos tempos atuais. Alucinação ou horror real (subgênero "gótico"), o fato é que o filme assusta o espectador tanto quanto amedronta a governanta - até mesmo quando revisto, mesmo que já se saiba o que vai acontecer a cada cena.

Nestas versão restaurada pode-se admirar o magnífico preto-e-branco em cinemascope da fotografia de Freddie Francis (1917-2007), parceiro de Jack Clayton (1921-1995) em outros filmes e que também fotografou para outro nome importante do cinema inglês em fase de renovação no final dos anos 1950 e início dos 60, Karel Reisz. Mais tarde, Francis fez uma carreira medíocre como diretor de filmes de terror infinitamente inferiores a este, mas voltou a fotografar em filmes marcantes (A Mulher do Tenente francês, Cabo do medo de 1991, O Homem-Elefante etc) .

A música de Georges Auric (de tantos filmes de Cocteau) é pouco mencionada quando se comenta este filme, talvez porque utilizada sem exageros - o que é ótimo - sendo extremamente funcional e adequada.

No elenco, Deborah Kerr tem uma de suas melhores interpretações, ainda que não seja tão jovem quanto a inexperiência da personagem literária indicaria. As duas crianças são um caso interessante: o menino Martin Stephens, aos 11 anos (aparentando menos) já era um veterano em filmes, com destaque para A Aldeia dos Amaldiçoados (versão original de 1960), mas abandonou a carreira de ator poucos anos depois. Já Pamela Franklin, aos 10 de idade, aparentando bem menos ainda, estreava no cinema, tendo mantido uma carreira com alguns destaques (o maior, Primavera de uma Solteirona, 1969, ao lado de Maggie Smith) e em outros filmes de terror (A Casa da noite eterna, 1973), mas também abandonou os filmes depois de 1981. Assim como Deborah Kerr, Michael Redgrave, em breve aparição como o tio pouco interessado na vida dos sobrinhos, parece pouco jovem para exercer tamanho fascínio, ainda que a governanta contratada seja tão pouco vivida. Megs Jenkins faz a outra criada adulta em contato com as crianças: mais velha, mais tranquila, por vezes submissa ao que diz a preceptora, colaborando para a ambiguidade sobre aquilo em que o espectador deve ou não acreditar. Em aparições mudas, o casal de atores que faz os fantasmas é suficientemente assustador.

A outra maior atração da caixa que traz este filme são dois extras: num deles, há entrevistas com membros da equipe sobreviventes na época em que este tardio "making of" foi rodado, incluindo Freddie Francis; melhor ainda são comentários feitos por Christopher Frayling, estudioso do cinema de horror (campo no qual é uma autoridade) rodados nos mesmos jardins utilizados para a filmagem há mais de 50 anos... e preservados.

Jack Clayton começou como produtor - incluindo três filmes de John Huston como Moulin Rouge (1952) e Moby Dick (1956) - tendo dirigido apenas mais cinco longas, incluindo Crescei e multiplicai-vos (com rotiero de Harold Pinter e que deu prêmio de melhor atriz em Cannes 1964 para Anne Bancroft) e o subestimado O Grande Gatsby de 1974 com roteiro de Coppola e interpretações de Robert Redrford e Mia Farrow. Foi casado com a atriz israelense Haya Harareet de Ben-Hur (1959), de William Wyler, de quem Clayton recebeu elogios por sua direção de atores, terreno em que Wyler conseguia inúmeras premiações para os atores em seus filmes.

P.S.: Entre os demais filmes da caixa o único relativo destaque vai para Kairo, de Kiyoshi Kurosawa, cineasta hábil e que tem fãs de seus filmes no gênero.

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