"Não é possível buscar sentido em tudo", diz Antonio, o personagem de José Wilker em O Maior Amor do Mundo , de Cacá Diegues. Muito menos em filmes e diretores. Por isto procuro apenas tecer alguns comentários. Uma das coisas legais sobre Cacá Diegues é que, a exemplo de Fernando Pessoa, ele exercita seus "eus" de maneira intensa. Escreve, pensa, roteiriza e dirige há mais de 40 anos. Faz o filme que quer, mesmo que um nada tenha a ver com o outro. Mas, desta vez, O Maior Amor do Mundo nunca poderia ter existido se antes não houvesse Deus É Brasileiro . Se, no primeiro, Deus (Antonio Fagundes) procurava um homem em quem confiar - o que já é uma boa prova de crença na Humanidade - neste novo filme esta procura e esta fé se aprofundam. Porque, desta vez, a busca é a de um homem. E este é um dos motivos que faz deste filme o melhor de Cacá nos últimos tempos.
Antonio é da geração do diretor mas, no fundo, representa todos nós - os que já passaram dos 20 anos, né? - tomados pela ressaca de ver o que aconteceu com os nossos sonhos. Como Antonio, somos portadores - talvez não de um tumor - mas, pelo menos, de uma grande dor de cabeça. Na cena em que ele bebe caipirinhas e tenta "curtir" a poderosa festa brasileira, a identificação se faz total. Somos aquele pateta de mãozinhas levantadas, tentando entender o quê e porquê temos que comemorar. Como o protagonista, procuramos compreender o que estamos vivendo. Tentamos construir novidades - que é o que realmente importa.
Desta forma, Cacá é um dos primeiros a manifestar na tela esta nossa decepção. Vale lembrar também que o diretor foi quem logo protestou - em maio de 2003 - contra o possível dirigismo com que o PT começava a traçar sua política cultural, mas até aqui não abandonou o que sempre fêz: valorizou a nossa cultura - ou o que sobra dela. Em meio ao abandono e ao lixo, viu alguma coisa.
Novamente, ao contrário de Deus em sua trajetória, Antonio nunca se perde. Por causa de sua mortalidade e de seu desespero, ruma como uma flecha para tomar posse da sua vida. Deus não: se dava ao luxo de encontrar personagens que não sabíamos porque estavam no filme; vez por outra ficava contemplativo. Já este novo protagonista só se sustenta em busca de seu passado - e vai encontrar um fio de esperança justamente no lado mais miserável de nossa sociedade.
Os questionamentos de Antonio - que Wilker traduz tão bem - sintonizam com nosso imaginário e nos remetem a sensações muito cotidianas. Quantas vezes não nos perguntamos se ainda existe infância em meninos como Mosca (Sérgio Malheiros)? Se uma senhora, sofrida como Mãe Santinha (Léa Garcia), ainda pode ser solidária? E no futuro? Viver mais de 80 anos (como o Maestro de Sérgio Britto) será benção ou castigo? E na infância - naquele lar de revista, com mamãe sempre se esforçando (Déborah Evelyn) - tudo era perfeito - ou tudo era hipocrisia?
É claro que, depois de um filme contundente e bonito como este, muita gente sairá do cinema discutindo que contribuição ele dá a construção da cinematografia nacional. Ousaria dizer que a revolução de O Maior Amor do Mundo está menos na forma e nos diálogos - e mais no conteúdo e na proposta política. Mas, principalmente, acho que a revolução de Cacá Diegues está em fazer. Ter esperanças e continuar realizando.
# O MAIOR AMOR DO MUNDO
Brasil, 2006
Direção e Roteiro : Carlos Diegues
Produção : Renata Almeida Magalhães
Produção executiva : Tereza Gonzalez
Fotografia : Lauro Escorel
Figurinos : Marcelo Pies e Bettine Silveira
Montagem : Tulé Peake
Direção Musical : Guto Graça Mello (Canção Original:
Chico Buarque)
Duração: 106min