Convidados


BOBO DA CORTE

De: LUIZ ROSEMBERG FILHO
Com: ALEXANDRE DACOSTA
05.06.2019
Por Marcia Vitari
Na Cinemateca do MAM-Rio aconteceu a exibição pela primeira vez do último longa do diretor Luiz Rosemberg Filho (na foto acima)

Morar em frente ao espelho d’água na Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio, parece ter estimulado no cineasta Luiz Rosemberg Filho a habilidade da pesca. Em seu caso, em jogar a tarrafa encima daqueles que cruzavam seu caminho e que considerava um peixe não tão escorregadio ao ponto de fugir da captura, e ser enredado no universo cinematográfico: local de onde sua cabeça e foco nunca se afastaram.

Foi assim que conheceu seu leal escudeiro Renaud Leenhardt, que num furtivo encontro no calçadão da Praia do Arpoador e com a informação de que acabava de chegar de Paris, o convida para fazer o still de “O Jardim das Espumas” (1970); mesmo sabendo de antemão que não tinha nenhuma experiência na área. E era assim com todos: distribuía convites de forma aleatória. E foi assim, ao longo dos anos, que ele foi montando sua rede de amigos e colaboradores até seu último filme “Bobo da Corte” (2019).

Viveu em Paris por anos, e desde esta época já realizava filmes autorais de baixo-orçamento. Quando nas décadas de 1960/70 todos os seus longa-metragens são censurados, nem por isso deixou de escrever seus roteiros/miragens. Até seus últimos dias de vida foram sendo transformados em imagens & som: palavras e mais palavras. Como primogênito de Luiz Rosemberg - jornalista e fundador da agência de notícias APLA (Agência Periodista Latino-Americana), que representava a Marvel no Brasil e distribuía as tirinhas jocosas para jornais, tais como O Globo -, recebe como herança de família o apreço pelas imagens como veículo de comunicação.

Foram 45 filmes (11 longas e 34 curtas) onde sua verve política e atmosfera experimental perpassava ao longo da obra. O rótulo de cineasta “marginal” era rechaçado de forma veemente. De doce sedutor, emergia um homem que defendia com intolerância suas convicções. Considerava tal pecha uma forma de desvalorizar aqueles que escolhiam uma maneira de fazer cinema como expressão de uma vontade política. Um tipo de cinema que ele considerava “não oficial”: via força, onde, para muitos, havia carência. Apesar de seu afastamento desde “O Santo e a Vedete” (1982), volta a realizar longa-metragens na última década estimulado pelo jovem produtor Cavi. No entanto, não esteve inativo neste intervalo, já que vários vídeos constam de sua filmografia durante este hiato.

O artista Alexandre Dacosta, uma das peças nesta engrenagem de difusão da cultura, logo que o conhece faz a locução do vídeo “O Dinheiro” (2007). A partir deste encontro surge no Rô – que era a forma carinhosa como os amigos o chamavam -, a vontade de escrever um monólogo para o Dacosta evoluir em várias frentes: ele atua, faz o desenho de som com composições originais e, com maestria, compensa todas as supostas deficiências do roteiro com uma atuação vibrante. Em apenas três dias de gravação, num cenário único e escuro, sua figura carismática ilumina a cena com sua virtuose artística. É um bobo numa corte de admiradores deste cineasta que encontra nas palavras de Maiakowski seu epitáfio: “Para vocês, o cinema é um espetáculo. Para mim, é quase uma concepção do mundo”.

Por decisão de seu irmão Tito Rosemberg, e por sua marcante presença na Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM-Rio) - onde aconteceu a exibição pela primeira vez de seu último longa, ainda inédito e sem data de estreia no circuito comercial -, todo seu arquivo que incluí suas colagens em vários suportes, roteiros, livros e, especialmente, seus filmes; ficará sob a guarda do Conservador-Chefe do Arquivo de Filmes, Hernani Heffner.

Outro filme do cineasta, "Dois Casamentos" (2015) também foi comentado nesta seção por Marcia Vitari, jornalista, mestre em comunicação e cultura, que em co-autoria com Alexandre Dacosta realizou o vídeo-documentário "Milágrimas" (2008). O link para este texto é https://criticos.com.br/?p=7324&cat=4

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Outros comentários
    4897
  • Hernani Heffner
    07.06.2019 às 06:51

    Belo texto Márcia. Rô tinha uma relação muito fraterna com a Cinemateca do MAM, casa que ele considerava uma extensão de seu mundo cinematográfico. Ficamos felizes por acolher todos os seus trabalhos ao longo da carreira, seus filmes e agora seu acervo.
  • 4898
  • Reinaldo
    07.06.2019 às 09:16

    Vi Dois Casamentos e gostei. Desejo ver seu último filme.
  • 4899
  • Cavi Borges
    08.06.2019 às 05:45

    Uma texto bem elucidativo sobre a trajetória de Rosemberg. Com infos pouco faladas até então. Parabéns pela iniciativa.
  • 4902
  • Tito Rosemberg
    03.07.2019 às 16:23

    Excelente texto. Parabéns à Márcia Vitari!
  • 4903
  • Nilton Pinho
    05.07.2019 às 13:08

    Parabéns ao grande artista e parceiro Alexandre Dacosta e a jornalista Marcia Vitari pelo belo texto. Espero assistir o filme em breve.