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ABAIXO A GRAVIDADE

De: EDGAR NAVARRO
Com: RITA CARELLI, BERTRAND DUARTE, EVERALDO PONTES, FABIO VIDAL, RAMON VANE
01.08.2019
Por Dinara Guimarães
Entre a graça e a desgraça, é a atração entre os corpos que fornece elementos para a narrativa autoral de Navarro, com toques fellinianos.

No filme do cineasta baiano Edgar Navarro, Abaixo a gravidade, a chegada de um asteroide na terra, denominado Laetitia, acarreta a perda da gravidade na Bahia de Todos os Santos e leva à perda de estabilidade daqueles que já vivem em estado permanente de desolação, tal como Simone Weil anunciou: “as leis da alma são análogas às que regem as leis físicas (gravidade)”, resultando na “recatexização” de imagens mnêmicas hostis.

A fantasmagoria é figura metafórica central na narrativa de Navarro e manifesta-se na caracterização de personagens dramáticos e grotescos em cenas repulsivas atravessadas pelo onírico e realismo. Ele expõe seus personagens a uma tensão emocional, que gera desprazer, ao tempo em que produz a liberação súbita de um desejo que os deixa no estado de repulsa ao mundo.

O eixo da narrativa é a desestabilização da vida do personagem principal, o curandeiro Bené (Everaldo Pontes) que, se antes vivia uma vida espiritualizada cheia de graça no Capão, uma comunidade rural na Chapada Diamantina, na volta para a capital, Salvador, passa a viver na desgraça, tanto quanto os moradores de rua desamparados em todos os cantos da cidade grande, entre eles, o revoltado Galego (Ramon Vane) e o sonhador Mierre (Fabio Vidal) que potencializa seu anseio de liberdade construindo um par de asas coletada do lixo, voando da miséria ao sublime.

Dessa forma, a atração entre os corpos de Bené e o de sua irmã bipolar Malu (ambas interpretadas por Rita Carelli), segue na contramão de seus gestos de misericórdia e bondade e de sua espiritualidade transcendental que incorpora o candomblé, budismo, hinduísmo e catolicismo. Mas é o que fornece os elementos para a narrativa autoral de Navarro, com toques fellinianos, e de fortes apelos ao corpo na exposição da dimensão pulsional oral, anal, fálica e genital, em cenas de nudez, relações sexuais entrelaçadas à transcendência como diversos modos de viver.

O resultado é que a graça associada ao Capão entra em contra-apelo à ordem do mundo soteropolitana, uma ordem bruta que tal como a lei da gravidade expressa um determinismo social em ação, o que evidencia o elemento trágico da vida. Seja do artista de rua transformado em orixá voando pelo céu, seja da escultura do pensador Rodin içada por um helicóptero sobrevoando Pelourinho aos olhos do povo e que tem seu ápice no grito “abaixo a gravidade!” de Bené, que, regido pela lei do desejo, opta morrer.

Dinara Gouveia Machado Guimarães é autora dos livros sobre Psicanálise e Cinema: "Vazio Iluminado: o olhar dos olhares" (Ed. Garamond), "Voz na luz" (Ed. Garamond), "Escuta do desejo" (Cia de Freud) e "La voix dans la lumière - Essais sur le cinéma et la psychanalyse" (Ed.Amazon).

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