Críticas


SCOOP – O GRANDE FURO

De: WOODY ALLEN
Com: SCARLET JOHANSSON, HUGH JACKMAN, IAN MCSHANE
20.03.2007
Por Nelson Hoineff
O VELHO TRUQUE DAS CARTAS

Em muitos de seus filmes recentes – O Escorpião de Jade, Igual a Tudo na Vida, Os Trapaceiros, entre eles – Woody Allen adota uma forma narrativa muito simples para escamotear um discurso muito sofisticado. Na aparência, são filmes ingênuos, quase pueris. Lá atrás são capazes de travar com o espectador – ou com um tipo de espectador – um diálogo de imbatível densidade.



Scoop tem a simplicidade formal de todos esses filmes. O diálogo, contudo, é bem mais difícil de garimpar. Há poucas dúvidas de que ele esteja lá. A dificuldade de encontrá-lo faz com que um crítico americano (Bill Gallo, The Village Voice) se refira ao filme como a obra de um cineasta no seu ocaso e outro (o grande Richard Corliss, Time) garanta que há muito tempo Woody Allen já esgotou seu repertório. Não faz mal. No Brasil, um crítico já o qualificou de “irrelevante”. Lembro de Paulo Francis quando alguém se referia ao declínio do império americano. Francis admitia que o declínio era real – tão real que levaria mais dois mil anos.



Dois ou três momentos de Scoop já bastariam para situá-lo como um filme notável. Allen cria uma barca dos mortos e tenta subornar a própria morte. Na barca, um jornalista joga-se ao mar (uau!) e reaparece como um fantasma onde Allen, como ator, personifica um mágico de terceira categoria empurrando com a barriga um show de variedades banal.

O falecido tem um recado a dar: o filho de um milionário, jovem, bonito e de ilibada reputação, é na verdade o serial killer que atormenta a cidade. O recado é dado a uma aspirante a jornalista e é ali que o filme se desenha. A jornalista é Scarlett Johansson, que vai estabelecer com o mágico uma relação farsesca capaz de impedir que Scoop se transforme, por exemplo, num filme de mistério.



Porque o que está em questão não é se o milionário (Hugh Jackman) é ou não o assassino de prostitutas. As pistas para o verdadeiro entendimento do filme estão bem mais escondidas do que as cartas de tarô que o suposto assassino deixa junto às vítimas. Tão bem escondidas, aliás, que talvez jamais sejam achadas. Mas essa é outra brincadeira de Allen. Ele promove a mesma reunião de bar que em outros filmes (como nos encontros no Carnegie Deli de Broadway Danny Rose, ou no Elaine’s de Annie Hall) serviam para que os nós fossem sendo desatados. Mas diante de um chope no pub inglês, nada vem à tona.



A cada plano, Allen propõe uma charada, insistindo que seu filme nada mais é do que a tentativa de encontrar um assassino ou no máximo de separar verdades de mentiras. E, no entanto, lá está Woody Allen a contar velhas piadas judaicas (“fui criado na persuasão hebraica mas me converti ao narcisismo”) da mesma forma como seu mágico promove velhos e recorrentes truques de cartas com seu público. Seu público é uma coleção de espectadores desocupados, são os milionários que nas festas parecem acreditar que ele mesmo é um milionário excêntrico (existe ali um tom ingênuo que remete às chanchadas), é a própria morte.



Allen não é o primeiro a jogar cartas com a morte. Bergman também fez isso – e é justamente Bergman que Allen vai buscar quando em 1978 decide realizar Interiores, seu primeiro filme dito “sério”.

Exegetismo? Claro que sim. Mas por que um serial killer deixa uma mensagem cifrada em cada vítima? O autor do crime está simplesmente propondo uma charada. No fundo, não é outra coisa que o autor de Scoop está fazendo.



# SCOOP – O GRANDE FURO (SCOOP)

Inglaterra/ EUA, 2006

Direção e Roteiro: WOODY ALLEN

Produção: LETTY ARONSON, GARETH WILEY

Fotografia: REMI ADEFARASIN

Edição: ALISA LEPSELTER

Elenco: SCARLET JOHANSSON, HUGH JACKMAN, IAN MCSHANE, KEVIN MCNALLY

Duração: 96 min.

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