Críticas


EM DIREÇÃO AO SUL

De: LAURENT CANTET
Com: CHARLOTTE RAMPLING, KAREN YOUNG, LOUISE PORTAL, MÉNOTHY CESAR, LYS AMBROISE
22.03.2007
Por Daniel Schenker
O OLHAR QUE ESCAPA

O cineasta Laurent Cantet não cerca de muitos mistérios as personagens de Em Direção ao Sul . Ellen e Brenda (interpretadas, respectivamente, por Charlotte Rampling e Karen Young), mulheres que retornam a um hotel de Porto Príncipe para reencontrar um jovem haitiano, Legba (Ménothy Cesar), têm seus retratos psicológicos apresentados de uma maneira um pouco óbvia diante do espectador – a primeira tenta ocultar a carência e o vazio de sua vida por trás de uma permanente máscara defensiva e do auto-controle e a segunda procura reviver uma experiência amorosa desestabilizadora ocorrida poucos anos antes, no mesmo local.



No entanto, nem tudo é evidente neste filme. Por mais que o diretor feche uma interpretação em torno de suas personagens, elas portam olhares que escapam, difíceis de serem apreendidos. Esta “fuga” aparece no modo como os atores interpretam os monólogos criados por Cantet – o que vale não só para Ellen e Breda como para Sue (Louise Portal), também em período de férias, e Albert (Lys Ambroise), responsável pelo restaurante do hotel. Separadamente, as três mulheres falam os textos em seus quartos, de frente para a câmera, como se estivessem confidenciando algo para o espectador. Excetuando Sue, porém, elas evitam olhar para a câmera (e, por conseguinte, para o público), fixando-se em pontos precisos, mas inacessíveis, para quem assiste. O modo como a câmera se aproxima delas, busca o close, é distinto: lentamente no caso de Brenda e de forma mais brusca, no de Ellen. Já Sue enfrenta a câmera de maneira direta durante a maior parte de sua pequena cena, mesmo quando deixa de falar sobre Ellen e passa a se deter em si mesma. E para Albert o diretor optou por um recurso diverso: seu texto é transmitido em off, enquanto ele, contrariado, prepara o prato de Legba na cozinha do restaurante. Talvez Laurent Cantet queira mostrar como as personagens se vêem e como são vistas e que a distância entre uma instância e a outra não necessariamente se traduz num descompasso ou num contraste positivo/negativo.



Em Direção ao Sul também parece conjugar as ferramentas do documental e do ficcional de forma esquemática, ao inserir algumas cenas ambientadas nos exteriores de Porto Príncipe no final da década de 70, período da ditadura Duvalier, quando o escritor Dany Laferrière, autor de três livros que geraram este filme, foi exilado. Para Ellen, a veterana do grupo de mulheres, o hotel é um paraíso incrustado no inferno da capital haitiana. Cantet, talvez propositadamente, confunde um pouco as geografias do “paraíso” e do “inferno” ao não localizar com exatidão em qual dos dois “extremos” determinadas seqüências são ambientadas. Numa delas, por exemplo, Brenda sai andando, desnorteada, atrás de Legba e vai parar, não se sabe bem como, num bar, sem que o espectador a tenha visto cruzando qualquer “fronteira”; numa outra, cadáveres são desovados na praia do hotel sem qualquer dificuldade aparente. Esta suspensão de uma delimitação territorial rígida (por mais que sublinhem, ao final, que os turistas nunca corram perigo) surge como uma espécie de promiscuidade saudável que salva Laurent Cantet de asfixiar seu filme numa estrutura cartesiana e reducionista.



# EM DIREÇÃO AO SUL (VERS LE SUD)

França, Canadá/2005

Direção: LAURENT CANTET

Roteiro: ROBIN CAMPILLO, LAURENT CANTET

Produção: SIMON ARNAL-SZLOVAK, CAROLINE BENJO, JOSH HAMILTON, DAVID RECKZIEGEL, CAROLE SCOTTA

Fotografia: PIERRE MILON

Elenco: CHARLOTTE RAMPLING, KAREN YOUNG, LOUISE PORTAL, MÉNOTHY CESAR, LYS AMBROISE

Duração: 108 minutos

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