Críticas


OSCAR NIEMEYER: A VIDA É UM SOPRO

De: FABIANO MACIEL
20.04.2007
Por Carlos Alberto Mattos
OS PALAVRÕES DE OSCAR

Na cena final do documenário, perguntado sobre o que mais lhe dá prazer, Oscar Niemeyer cita “a mulher” – assim mesmo, no sentido geral. Na parede do seu escritório, vê-se uma foto de três nus, desses bem curvilíneos que parecem espreguiçar-se no contorno dos seus edifícios. Diante da câmera de Fabiano Maciel, o quase centenário arquiteto usou incontáveis vezes a palavra merda e desfiou flexões do verbo foder. Desbocado como nunca, franco como sempre e inspirado como se estivesse entre amigos, ele enobrece cada um dos 90 minutos de Oscar Niemeyer: A Vida é um Sopro, que chega hoje aos cinemas.



Maciel e o produtor Sacha começaram a preparar este documentário na época em que Niemeyer fez “apenas” 90 anos. Por isso há materiais de arquivo mais novos que o depoimento principal. O diretor credita à intimidade conquistada com o tempo a abertura de Oscar para temas menos comuns em suas entrevistas. Nesse sentido, o filme não chega a ser uma revelação espetacular. Oscar apenas tangencia as peripécias da infância e as aventuras boêmias da juventude. De resto, fala o que dele se espera em matéria de política (“Bush é um filho da puta”; “a burguesia brasileira é uma merda”; “o que ainda me entusiasma são os movimentos dos sem-terra e dos sem-teto”) e de vida (“Sou um pessimista”; “é preciso ser modesto”).



Em relação ao seu ofício, é bom ouvi-lo admitir que “arquitetura é para quem tem dinheiro”, mas que lhe interessa, quando nada, oferecer beleza e surpresa ao pobre que passa por suas obras. Em dado momento, ele se diz cansado de falar sobre arquitetura. Em outro, flagrado num “branco” de memória, permite-se uma rara lamentação pela velhice – que nele é mero dado estatístico.



De resto, o filme se constrói em torno desse longo depoimento, aliás como tantos docs brasileiros recentes: João Cabral, Celso Furtado, Milton Santos. Niemeyer aparece como de hábito, falando enquanto rabisca seus esboços numa tela de papel. É o Oscar de sempre, ilustrado por belas tomadas de seus trabalhos no Brasil, França, Argélia, Itália e EUA (algumas filmadas sobre um skate) . E acarinhado por falas de Ítalo Campofiorito, Eric Hobsbawn, Eduardo Galeano (autor do melhor elogio) e figuras incontornáveis na agenda de documentaristas, como Ferreira Gullar, Nelson Pereira dos Santos, Carlos Heitor Cony, Chico Buarque e José Saramago.



Entre novidades e redundâncias, o documentário se sustenta no equilíbrio. Os bons achados iconográficos incluem a cena de Le Corbusier recebendo o prêmio pelo projeto da sede da ONU ao lado do seu verdadeiro autor, Niemeyer, e um cinejornal estadunidense sobre a Pampulha. Na conta dos excessos, eu citaria a já muito conhecida polêmica em torno do Palácio Gustavo Capanema e a aulinha hoje elementar sobre a concepção de Brasília. A confraternização ocasional com um menino negro na entrada do MAC tampouco contribui para o perfil humanista do artista.



Fabiano Maciel, realizador criterioso e criativo, tem aqui uma atitude de reverência. Oscar Niemeyer: A Vida é um Sopro, elegante e discreto na forma, às vezes equivocado na seleção, destaca-se na paisagem sobretudo pela beleza intrínseca de seu personagem. E sobretudo pela fecundidade verbal de Oscar, onde o palavrão rebenta para contaminar de sinuosidade a linha reta do raciocínio.



Texto publicado originalmente no DocBlog do autor)





OSCAR NIEMEYER: A VIDA É UM SOPRO

Brasil, 2006

Direção e roteiro:
FABIANO MACIEL

Produção executiva: SACHA

Fotografia: MARCO OLIVEIRA, JACQUES CHEUICHE

Montagem: JOANA COLLIER, JORDANA BERG, NINA GALANTERNICK

Música: JOÃO DONATO, BERNA CEPPAS, KASSIM, FELIPE POLI

Som direto: BRUNO FERNANDES, ROBERTO RIVA

Pesquisa: EDUARDO GUEDES, NUNO GODOLPHIN

Duração: 90 minutos

Site oficial: clique aqui

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