Críticas


FAIXA DE AREIA

De: DANIELA KALLMANN e FLÁVIA LINS E SILVA
25.05.2007
Por Carlos Alberto Mattos
PAPO DE PRAIA

Quando Paulo César Saraceni lançou o documentário Banda de Ipanema, houve quem desculpasse sua indigência com o argumento de que era “um filme de porre” sobre gente de porre. Adequação perfeita, portanto. Seguindo esse raciocínio, filmes sobre fé deveriam ser fervorosos, docs sobre escritores teriam que ser literários, e assim por diante.



Lembrei-me disso enquanto assistia a Faixa de Areia, o documentário de Daniela Kallmann e Flávia Lins e Silva que chega aos cinemas esta semana. Na maior parte do tempo, o filme tem a superficialidade e a falta de assunto de um papo de praia. A impressão se agrava com perguntas simplórias das entrevistadoras (mantidas no áudio), do tipo “a praia é importante pra você?”. Claro que, teoricamente, uma pergunta dessas é apenas a isca para se pescar uma resposta interessante ou surpreendente. Mas quando falta um eixo de investigação definido, fica-se na total dependência da performance do entrevistado. E nem todos os que estão no filme têm o carisma do sambista do Piscinão de Ramos ou da mulher que vai de Nova Iguaçu à praia da Urca em busca de “beleza” e “novidades”. No mais das vezes, ficamos no nível das reflexões de Luana Piovani sobre o vai-vem das ondas.



A praia é onde muita gente ama, se vira, reza, pensa na vida e até reflete sobre problemas sociais. Uma das teorias mais freqüentes é a da areia como território livre e democrático, diluidor de classes e de quaisquer diferenças, onde, segundo Ruy Castro, todos se resumem a “um calção e um par de chinelos, se tanto”. É aqui onde Faixa de Areia melhor dá o seu recado. Depois de estabelecer esse estereótipo igualitário através da edição de falas, o filme se dispõe a questioná-lo com outros depoimentos que dão conta do “apartheid natural” (expressão de um dos entrevistados) que atinge todas as praias cariocas – de Ramos ao Posto 10. Nesse privilegiado miolo está o filé do documentário: as melhores entrevistas e o ensejo de um debate estimulante.



No mais, fica-se nos limites de uma reportagem um tanto errática, pulando de praia em praia e de tema em tema como um banhista inconstante. Originalmente um programa do canal GNT, a versão de longa metragem estende-se em “clipes” de flagrantes de praia e deixa mais à vista a carência de substância. Algumas impropriedades saltam aos olhos, como a falsa abordagem espontânea de Isabel do Vôlei ou a cena em que as documentaristas induzem duas moças a criticar como questão de privilégio o (compreensível) controle de acesso a uma praia militar da Marambaia.



O fato é que um doc eventualmente simpático saiu prejudicado por um misto de ingenuidade e irreflexão. Afinal, o cinema pode ser nossa “praia”, mas não é exatamente uma praia.



Leia mais sobre documentários no DocBlog do Globo Online.





FAIXA DE AREIA

Brasil, 2004/2007

Direção, produção e roteiro:
DANIELA KALLMANN e FLÁVIA LINS E SILVA

Fotografia: MARCELO “GURU” DUARTE

Edição: HENRIQUE TARTAROTTI

Música: PEDRO LUÍS, SIDON SILVA E IGOR ARAÚJO

Duração: 95 minutos

Site oficial: clique aqui

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