Texto publicado originalmente no DocBlog do autor)
Quando ouço chamarem documentário de “gênero”, tenho vontade de sacar minha esferográfica. Assim como a ficção, o doc é um domínio do cinema onde cabem todos os gêneros: drama, aventura, filme histórico, romance, comédia. Agora mesmo entrou em cartaz no Rio um típico doc-comédia. Sim, porque Yippee – Alegria de Viver não é um mockumentary, nem um falso doc. Paul Mazursky é ele mesmo diante da câmera, assim como as pessoas com quem ele conversa são elas próprias; sua viagem à Ucrânia é real; e os eventos que ele documenta estão acontecendo de verdade naquele momento.
No entanto, Mazursky organiza tudo aquilo com o objetivo de nos fazer rir enquanto reparte suas descobertas conosco. Após uma visita “iluminadora” ao seu oculista judeu, ele resolveu acompanhá-lo numa peregrinação à pequena cidade ucraniana de Uman, aonde acorrem anualmente cerca de 25.000 judeus hassídicos do mundo inteiro para uma faxina espiritual no lugar onde está enterrado o mítico rabino Nachman (1772-1810).
O avô de Mazursky saiu de Kiev há pouco mais de 100 anos para fazer a América. Mas o neto confessa-se um judeu rematadamente ateu. O efeito de comédia vem justamente desse distanciamento de Mazursky em relação aos rituais da fé religiosa. Isso o leva, por exemplo, a ressaltar pela edição o humor das cenas de judeus dançando nas ruas. Ou a explorar o aspecto cômico dos chapéus, das cantorias etc. Em si, as condições da viagem são motivo de piadas autodepreciativas tipicamente judaicas. Mazursky partiu de Los Angeles com uma equipe mínima e 40.00 dólares do próprio bolso. Transporte, hospedagem e alimentação estavam aquém da penúria dos personagens de Próxima Parada: Bairro Boêmio, memorável comédia que ele dirigiu nos seus tempos áureos em Hollywood.
É mesmo patético vê-lo apresentar-se a desconhecidos na Ucrânia como “um cineasta muito famoso em Hollywood”. De fato, ele o foi entre 1969 e 1996, com sucessos como Bob, Carol, Ted & Alice, Harry o Amigo de Tonto, Uma Mulher Descasada, A Tempestade, Inimigos - Uma História de Amor, Um Vagabundo na Alta Roda e o “brasileiro” Luar sobre Parador. Mas depois disso Paul Mazursky foi abandonado pelos estúdios e não soube (ou não quis) inserir-se na cena independente. Em 10 anos, só havia dirigido dois filmes para a TV a cabo e participado de telesséries como ator.
Ele exercita seus pendores cômicos em Yippee, fazendo uma espécie de road-comediant, contando piadas-de-judeu e narrando sua aventura como quem relata as férias para uma platéia de amigos ávidos de diversão. Não se trata de um doc profissional sobre a peregrinação a Uman, nem sobre as raízes judaicas do diretor. O descompromisso amador é o grande trunfo do filme. E o fato de não se levar muito a sério, sua maior virtude.
Obs.: Comédia de mau-gosto é a tradução das legendas exibidas no Armazém Digital. Além de botar a perder inúmeras referências interessantes, comete erros atrozes como traduzir bitter (amargo) por “melhor” (better). Assim não há humor judaico que resista.
YIPPEE – ALEGRIA DE VIVER (YIPPEE)
EUA, 2006
Direção: PAUL MAZURSKY
Fotografia: BILL MEGALOS
Montagem: JEFF KANEW
Música: WALTER WERZOWA
Duração: 74 minutos