Críticas


LUGAR NA PLATÉIA, UM

De: DANIELE THOMPSON
Com: CÉCILE DE FRANCE, VALÉRIE LEMERCIER, ALBERT DUPONTEL
10.06.2007
Por Luiz Fernando Gallego
DE COSTAS PARA O PALCO

Se você não pode ser rica, viva perto deles”. “Se você não tem talento para ser artista, viva entre deles”. Estas duas sentenças quase idênticas resumem a filosofia-poliana de Um Lugar na Platéia, uma espécie de comédia romântica francesa do tipo “Ah, como eu queria ser comédia romântica americana – mas sem deixar de ser francesa!”. E tome Torre Eiffel e cruzamentos urbanos charmosos no Trocadéro! E canções de Gilbert Bécaud e Aznavour na trilha sonora! E hotéis de luxo e vitrines de griffes! Ah! E cultura! Concertos de piano e orquestra, peças de teatro e um leilão de obras de arte de Braque, Miró, Brancusi, etc. Fala-se de um filme que vai ser rodado sobre Sartre e Simone de Beauvoir. Não há mais dúvida quanto à nacionalidade do filme: mais do que francês, parisiense. E Paris continua a ser uma festa... Mas a tentativa de reproduzir os modelos do cinema americano de divertimento foi mais bem atingida pela mesma diretora no bem despretensioso e tolinho Fuso Horário do Amor.



Não que nada disso possa se constituir em adoráveis objetos de desejo: a questão é que tudo funciona como sedução do espectador para mal dissimular preconceitos contra os valores culturais que estariam sendo idealizados nas três historietas que se cruzam no enredo. A personagem-guia, Jessica, é interpretada por uma excessivamente sorridente atriz que, embora belga, chama-se Cécile...de France - garantindo mais uma vez a nacionalidade do filme. Ela faz uma jovem que segue a máxima da vovó - a primeira frase reproduzida na abertura deste texto: sai do interior para trabalhar em Paris em algum lugar chique, perto de dinheiro, luxo e artistas.



Uma camareira de teatro (interpretada com desfaçatez e muita simpatia por Dani) é a autora da frase quase análoga à primeira e será uma das amizades que a igualmente simpática-e-sorridente Jessica vai fazer em poucos dias, às vésperas de três eventos culturais importantes, bem próximos do café onde ela consegue trabalho como garçonete, tal a afluência de gente importante ligada aos tais eventos.



Uma delas é uma atriz que está ensaiando uma peça de Feydeau e que – apesar da fama conseguida em uma novela de TV – odeia fazer seriados televisivos (pelos quais recebe bem) e deseja papéis mais “sérios” do que o de comédias belle-époque. Quem interpreta essa atriz talvez valha a ida ao cinema: Valérie Lemercier assume sua personagem caricatural com entrega e muito bom-humor sem tentar dissimular o estereótipo, justificando os prêmios César que já recebeu – um deles exatamente por este filme. Já Albert Dupontel como o pianista em crise com sua carreira em salas de elite tem que carregar um personagem tão ruim que não se pode criticar o ator - que faz o que pode. O veterano Claude Brasseur tem melhor sorte com um personagem mais simpático, um colecionador de obras de arte que entregou seu acervo, digno de um museu, para leilão.



Através dos sketches que compõem os episódios relativos a estas três pessoas ligadas ao mundo das artes, o roteirista Christopher Thompson (que também tem um papel, aliás, bem enjoadinho, no filme) e sua mãe, a diretora e co-roteirista Danièle Thompson, demonstram um enorme preconceito contra as mesmas artes cuja proximidade a personagem Jessica tangencia, encantada.



Os Thompson, mãe e filho, “jogam para a platéia” ao estimular preconceitos, como se realmente houvesse necessidade de um ambiente de gala para se apreciar música dita “clássica”: ao investir contra isto cometem o absurdo de interromper um dos mais belos concertos de piano pelo meio para um patético semi-strip-tease do solista, atacando moinhos de vento que já não sopram obrigatoriamente com fraques ou tuxedos. E a peça de Feydeau é vista pela atriz como uma coisa certamente “menor” porque “não tem psicologia”, que ela desejaria inserir na interpretação de uma comédia de vaudeville considerada como exemplo de carpintaria teatral e mesmo de crítica dos costumes e hipocrisia sociais.



Neste sentido, o título original, Fauteils d’orchestre - que não quer dizer ‘lugar na platéia’, mas lugar no palco, onde eventualmente pode haver cadeiras para o público assistir a um concerto – soa mentiroso, já que os responsáveis pelo filme querem fazer rir e seduzir, em parte como se tivessem vergonha disso em relação a uma tal “grande arte”; e por outro lado colocando essa “arte maior” sob um ângulo que estimula preconceitos. A “doçura” e aparente despretensão do filme (bem servido por seus atores e fotogenia parisiense) não escondem em suas entrelinhas uma postura ambígua em relação aos próprios temas que aborda: em vez de um “lugar no palco, junto à orquestra” parece estimular que se fique de costas para os palcos onde acontecem grandes momentos de arte que não têm nada a ver com a separação maniqueísta entre “arte maior” e “arte menor”.



# UM LUGAR NA PLATÉIA FAUTEILS D’ORCHESTRE

FRANÇA, 2006

Direção: DANIÈLE THOMPSON

Roteiro: CHRISTOPHER THOMPSON E DANIELE THOMPSON

Fotografia: JEAN-MARC FABRE

Montagem: SYLVEI LANDRA

Música: NICOLA PIOVANI

Elenco: CÉCILE DE FRANCE, VALÉRIE LEMERCIER, ALBERT DUPONTEL, LAURA MORANTE, CLAUDE BRASSEUR, DANI, CHISTOPHER THOMPSON, SIDNEY POLLACK, SUZANNE FLON

Duração: 106 minutos



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