Saneamento Básico, o Filme , de Jorge Furtado, foi feito exatamente há um ano, entre julho e agosto de 2006, quando os técnicos do cinema nacional começavam a prever que nossas bilheterias fechariam no vermelho. Foi o que aconteceu: em relação a 2005 houve uma queda de 7% de público diante dos 67 filmes nacionais exibidos. Este foi mais um dado para justificar o projeto de Jorge, que já fazia de Saneamento Básico, o Filme uma espécie de Ilha das Flores sobre o cinema nacional. Mais uma vez ele se utiliza de muita pesquisa e consultas ao dicionário para destrinchar um tema. Há também a presença de Paulo José, que narrava o documentário premiado em 1989 em Berlim, agora novamente como ator. Mas Saneamento Básico não é um documentário. Tem, é verdade, uma história mais simples que os roteiros dos longas O Homem que Copiava (2003) e Meu Tio Matou um Cara (2005), e está longe das tramas policialescas destes dois últimos.
O que é incompreensível é que sua produção também às vezes se assemelhe ao vídeo O Monstro do Fosso , o filme dentro do filme, elaborada pelos personagens Marina (Fernanda Torres) e Joaquim (Wagner Moura) juntamente com a irmã adotiva de Marina, Cilene (Camila Pitanga) e o marido Fabrício (Bruno Garcia). São momentos em que alguns detalhes mal remendados unem o filme dirigido por Jorge ao que o quarteto, que sequer sabe o que quer dizer cinema de ficção, tenta fazer. Nada grave, principalmente para a platéia que se delicia e ri o tempo todo. Mas Tonico Pereira nem sempre convence como um italiano, assim como Bruno Garcia – com uma peruca supostamente engraçada – não é tão cômico quanto se acredita. Também as cenas finais do patriarca da história (Paulo José), sugerem que Jorge tinha intenções mais sofisticadas para ele em seu roteiro. Neste ponto os outros longas do diretor são mais harmônicos.
Mas o fundamental e o mais divertido em Saneamento Básico são as críticas e ironias com o cinema nacional. Da idéia inicial – de que a sub-subprefeitura de uma comunidade não tem dinheiro para fazer esgoto, mas dispõe de uma verba federal para um filme de ficção – à apresentação de O Monstro do Fosso , há momentos que só o maravilhosamente formatado roteiro de Jorge sabe contar. A discussão sobre o que é ficção, capitaneada por Marina (Fernanda Torres); os incidentes na busca dos patrocinadores liderada por Marcela (Janaína Kremer); a noite em que o quarteto busca o nome do personagem cientista e as soluções do diretor (Lázaro Ramos) ao editar o vídeo, fazem rir debochando dos nossos escassos limites entre ficção e realidade.
Dizem que uma das intenções do diretor era referenciar o filme à Commedia Dell’ arte italiana. Não sou capaz de dizer se isto acontece ou fica só na intenção. O humor de Jorge sempre lembrou muito o de diretores italianos como Scola em Nós que Nos Amávamos Tanto e o Monicelli de Parente é Serpentei , mas com um produto final mais moderno, direcionado aos mais jovens. A cena final, em que se discute o que aconteceu com a verba destinada ao esgoto, é o ápice desta tragicomédia e dá vontade de chorar – pelo menos para quem trabalha com produção cultural. Tendo levado o espectador até ali de maneira suave e quase ingênua, Jorge aqui dá a sua facada final. Uma comédia intensamente política.
# Saneamento Básico, o Filme
Brasil, 2007
Direção e roteiro: Jorge Furtado
Produção: Nora Goulart, Luciana Tomasi.
Fotografia: Jacob Solitrenick
Edição: Giba Assis Brasil
Som: Luiz Adelmo, Paula Anhesini e Nathalia Rabczuk
Elenco: Bruno Garcia, Paulo José, Camila Pitanga, Tonico Pereira, Lázaro Ramos, Fernanda Torres, Wagner Moura, Marcelo Aquino, Irene Brietzke, Felipe De Paula, Sérgio Lulkin, Janaína Kremer Motta, Margarida Peixoto, Sandra Possani, Milene Zardo.
Duração: 113 min.