É fascinante a leva recente de documentários sobre sons. Não falo de musicais propriamente, mas de filmes como Diário de Naná, de Paschoal Samora, em que os encontros de Naná Vasconcelos Bahia adentro servem como laboratório de criação sonora. Ou como 500 Almas, de Joel Pizzini, atento ao toar do Pantanal. Aboio, de Marília Rocha, é dessa família. Lá esta a materialidade dos vaqueiros, dos gibões de couro, do gado e da caatinga. Mas o filme está em busca, essencialmente, de um certo universo sonoro.
O aboio é um dos sons mais lindos do Brasil. É mistura de canto, grito, poema, oração e conversa com boi. Periga virar canto do cisne e extinguir-se junto com a figura do vaqueiro em era de motos e carretas. A melodia dos aboios, por sua vez, combina-se com o tinir dos chocalhos, a sinfonia de piados e mugidos do pasto, e a voz conversadeira dos tangerinos nas suas pausas doces. Eles contam causos de tanger e ajuntar gado. Dizem como era ontem e como é agora. Falam de mistérios que só boi entende.
Às vezes vem ao ouvido um sabor de Guimarães Rosa. Repare que tem até uma história de Diadorim entre tantas outras. Ora vem a memória do Saruê de Vladimir Carvalho – e não só pelo cenário da caatinga, mas pelo interesse na imagem rústica, cravada de sol e poesia.
As imagens de Aboio aspiram a ser som. Ora são belamente desfocadas, ora perdem a definição incendiadas pelo sol. Corcoveiam no lombo de um animal, abstraem-se na galharia das veredas, na festa da chuva, nos close-ups de reses e gentes. Vídeo digital (colorido) e Super 8 (preto e branco) fazem um contraponto do trivial com o poético. Quase sempre a imagem parece estar ali não como informação, mas como sensação.
Produzido pela Teia de Belo Horizonte e filmado em Minas, Bahia e Pernambuco, Aboio venceu a competição nacional do É Tudo Verdade de 2005, já foi exibido no MOMA de Nova York e entrou para a história do moderno documentário mineiro.
É filme para os sentidos todos. Faz a gente imergir num Brasil profundo e manso, mais chegado ao afago que ao sufoco. Eh, filme bom...
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ABOIO
Brasil, 2005
Direção: MARÍLIA ROCHA
Roteiro: CLARISSA CAMPOLINA, MARÍLIA ROCHA
Fotografia: LEANDRO HBL, MARÍLIA ROCHA
Produção: TEIA, GRUPO NOVO DE CINEMA
Montagem: CLARISSA CAMPOLINA
Duração: 73 minutos
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